Eu entendo que o paraíso é uma criação particular. Eu, por exemplo, gosto mais de frio do que de calor, então a minha visão de paraíso é um local menos tropical do que o sonho da maioria das pessoas. Eu prefiro montanhas do que planícies, prefiro árvores do que areia. Cada um com seus sonhos, certo?
Mas acabei de descobrir um local que é um verdadeiro jardim das delícias para o meu gosto (e pelo sucesso do empreendimento, não devo ser a única a pensar assim, talvez esse paraíso seja até mais coletivo do que eu imaginava). É o Wine Garden que fica na propriedade da Vinícola Miolo no coração do Vale dos Vinhedos (RS).
As sócias (Morgana Miolo e Gabriela Jornada) viajavam pelo mundo do vinho a trabalho e por prazer e numa dessas viagens se depararam com um espaço que vendia vinhos e que as encantou: "Começamos a amadurecer a ideia e pensar no que faria diferença no enoturismo do Vale dos Vinhedos, pois já havia várias coisas e não seria viável fazer mais do mesmo", explica Morgana (foto abaixo).
Para chegar ao formato que criaram, elas se colocaram no lugar de turistas e pensaram em como gostariam de vivenciar o vinho de uma maneira menor formal "tirando a gravata' como afirma Morgana. E aproveitando o grande fluxo de turistas que a Miolo já recebe todos os dias, surgiu a ideia de aproveitar o bem cuidado jardim da propriedade.
O Wine Garden foi inaugurado oficialmente no Carnaval de 2015 com a aprovação do conselho da empresa e depois de muito trabalho para montar uma estrutura que fosse complementar à paisagem e que acomodasse as necessidades de uma pequena produção culinária aliada ao conforto.
Levou um ano para que eu conseguisse ir até lá visitar e fiquei feliz em ver o sucesso que ele se tornou.
Quem viaja pelo mundo do vinho sabe como as vinícolas sabem aproveitar sua paisagem, sua estrutura para fazer o negócio de vender vinho se multiplicar.
Isso, no Brasil, ainda é raro. No máximo o que as vinícolas conseguem é ter um restaurante e muitos deles só abrem para grupos.Com isso o visitante passeia pela estrutura da vinícola e vai na loja, mas se estiver num local bonito, com bela paisagem natural à sua volta, ele não tem como aproveitá-la mais.
É por isso que o Wine Garden ganha cada vez mais visitantes não apenas turistas, mas muitos residentes e colegas vinhateiros que chegam para aproveitar o espaço. É bom para quem tem filhos, pois as crianças podem brincar no gramado e nos brinquedos à disposição, excelente para casais que querem ficar juntinhos nos tapetes, para empresas que querem fazer eventos fechados e apenas para relaxar e tomar uma taça de vinho.
No pequeno cardápio, pães artesanais, bruschettas, queijos e frios montados com capricho. Geléias da região, suco de uva integral e, é claro, vinhos e espumantes.
Morgana conta que os espumantes são campeões em venda, especialmente o rosé, mas que o fato de venderem em taça o vinho ícone da família (Miolo Lote 43), faz desse tinto elegante e encorpado um dos mais vendidos do espaço.
Para quem não sabe, o nome do vinho é uma homenagem ao lote recebido pela família Miolo quando chegou ao Brasil no final do século XIX. A região foi dividida em lotes e à eles coube o de número 43, que é uma parte de onde está a vinícola e o jardim. Tomar um vinho onde as uvas foram cultivadas, onde ele fermentou e amadureceu, é um luxo que qualquer enófilo aprecia.
O único senão do Wine Garden é precisamente sua condição física: ao ar livre. O tempo instável da região faz com que em muitos dias o espaço não possa ser montado. Por isso é bom consultar a página deles no facebook para saber se vai funcionar ou não. Mas uma coisa é certa, se estiver pela região é um passeio obrigatório!
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016
Ecomuseu Dal Pizzol em Faria Lemos (RS)
Uma vez que eu me sinto uma paulistana com a alma itinerante (que neste época do ano prefere estar na Serra Gaúcha) vou responder a uma pergunta que sempre me fazem: Quais são meus lugares preferidos na Serra?
Pois bem, um dos principais é o Ecomuseu da Vinícola Dal Pizzol, no distrito de Faria Lemos - que pertence a Rota das Cantinas Históricas. E como já escrevi várias vezes sobre esse lugar, pedi para a amiga Paula Brum (gauchíssima advogada e viajante apaixonada) a licença para colocar o link (abaixo) de sua visita ao local. Estávamos juntas, num grupo de jornalistas, e eu adorei o olhar dela sobre esse lugar que tanto me apaixona.
Espero que vocês aproveitem e façam o possível para ir lá conhecer!
http://www.mochilinhagaucha.com.br/2016/02/vinicola-e-ecomuseu-dal-pizzol-vinhedo.html
P.S.: Abaixo o link do meu texto, escrito para este blog em 2011, quando foi feita a primeira colheita no 'Vinhedos do Mundo' da Dal Pizzol, pra quem quiser saber mais.
http://vinhoverdeamarelo.blogspot.com.br/2011/02/vinhedo-do-mundo.html
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016
Vinho e Preconceito
Vinho e Preconceito
Sou fã confessa da escritora inglesa Jane Austen, que morreu em 1817 e deixou livros que - embora classificados como romances - são um testemunho (e uma crítica) da sociedade inglesa de sua época.
Uma das minhas obras preferidas é 'Orgulho e Preconceito', de 1813, onde a Srta. Elizabeth Bennet, segunda filha de uma familia numerosa e pouco influente, divide-se entre a atração e o orgulho (orgulho no sentido negativo da palavra) pelo influente e nobre Sr. Darcy. Ele, por sua vez, também sente-se atraído pela jovem Elizabeth, mas é atormentado pelo preconceito que sente pelos modos da família da jovem. Os dois sentimentos se intercalam e mudam de personagem conforme a trama do livro avança.
Orgulho e Preconceito são matéria corrente no mundo do vinho. Não apenas no Brasil, estejam certos. Suspeito até que existem em todas as partes, mas por motivos diferentes.
Nos países mais tradicionais, há preconceito das empresas mais velhas com as mais jovens, há arrogância de achar que porque fazem há mais tempo, fazem melhor. Nos países bem sucedidos do novo mundo há preconceito contra quem produz grandes volumes, contra as cooperativas (na Europa isso existe mas é mais discreto) e contra os pequenos produtores que atuam sós. O que todos parecem ter é um orgulho excludente, ao achar que o que fazem em suas caves é cantinas é o melhor produto e - por consequência - o que qualquer outro produtor faz é ruim.
Já o consumidor, principalmente o europeu, quer variedade, preço e - quando tem maior poder de compra - qualidade superior e elegância. Não interessa de onde vem. Pequeno, grande, nativo ou estrangeiro. O que é bom é bom. E ponto.
O 'bullying' com o vinho brasileiro
Nada é fácil neste país, não é mesmo? Apenas a vida dos políticos, ao que tudo tem indicado historicamente.
Orgulho, arrogância, preconceito e 'bullying' (palavra inglesa que significa usar a força física ou a intimidação psicológica para fazer com que alguém faça o que desejamos ou se comporte como desejamos) são matéria presente seja na produção de vinhos no Brasil ou no seu consumo.
O que me preocupa mais é o último. Concorrência entre empresas, produtores, importadores ou vendedores é brutal e, de certa forma, natural. O que não é bom para eles - preciso salientar - é que sejam menos capazes de buscar soluções conjuntas do que seria necessário num país que consome menos de 2 litros de vinho por pessoa ao ano. Mas essa é outra questão.
Meu ponto é o consumidor, ignorante ou enófilo, viajado ou residente, rico ou pobre que bebe procedência (o país de onde vem o vinho), propaganda e nome de uva. Em geral é esse personagem que profere frases como: "vinho brasileiro não presta", "o Brasil não tem terroir para produzir vinhos bons", "o Brasil copia mal o que se faz lá fora e vende isso caro", "só bebo se for estrangeiro". E por aí vai. Quem trabalha com vinho (brasileiro ou não) já escutou ao menos uma dessas.
O que está por trás desses comentários é um conjunto de fatores atuais e históricos. Os atuais são que o preço do vinho brasileiro ainda é caro em comparação com os do mercosul (e as raízes disso são políticas e econômicas, e não apenas do Brasil, mas de nossos principais concorrentes cuja produção de vinhos recebe incentivo de seus governantes, na direção oposta do que acontece no Brasil) e que o brasileiro recebe influências deleutérias da globalização e da publicidade estrangeira.
Isso sem contar que muitos brasileiros se sentem superiores ao falar mal do Brasil e bem de outras nações, achando que os produtos que vem dessas nações não são também frutos de bem estruturadas campanhas de marketing e que ele é a parte viva de uma ação que deu certo.
Por outro lado, o produtor brasileiro - muitos deles, infelizmente - parece não acreditar em publicidade séria, em ações contundentes de marketing, em mudanças de posicionamento. Ao agirem assim passam a imagem de que não acreditam que o próprio vinho tenha condição de competir com os outros e isso os atrasa.
Os fatores históricos dizem respeito ao fato de que 'história' no Brasil é matéria 'chata' e corrompida por tudo que não se pode falar ao longo dos anos de repressão, e que tudo que nos valoriza de alguma forma é apresentado no formato do 'bobo alegre' que - no final das contas - perde o mérito pela pobreza da execução.
O brasileiro não sabe (e isso é mais ignorância do que culpa específica) da nova realidade dos vinhos brasileiros. O brasileiro não foi convidado para essa festa regada a espumantes, brancos, rosés e tintos que exaltam nossas qualidades, nosso trabalho, o aprendizado de décadas e gerações, a tecnologia que o mundo todo utiliza e nós também, as pesquisas que seguem sendo feitas em Champagne e em Garibaldi, na Toscana e no Alto São Francisco.
O brasileiro não tem como se orgulhar de uma história que não lhe foi mostrada, de uma realidade não compartilhada. Mas ele poderia - ao menos - ter a humildade de tentar conhecê-la antes de ventilar seus preconceitos, de vociferar suas opiniões unipartidárias.
O mundo do vinho é múltiplo. Sempre. Tem para todos os bolsos, para todos os gostos e para todos os momentos. Quem gosta mesmo de vinhos não tem preconceito, não bebe 'preço', 'procedência' ou uva. Isso vai de encontro à própria natureza da produção, que precisa se curvar aos caprichos do tempo. Uma safra excelente, outra mediana, outra fraca. Se o 'gosto' das pessoas fosse assim "sério", cada vinho 'maravilhoso' feito numa safra ruim nunca mais seria provado.
É orgulho de ser bobo, é preconceito consigo mesmo, é bullying com quem faz e com quem vende. É vergonha de provar algo novo e ter que engolir a língua por ter falado mal.
É ignorância, e é triste.
segunda-feira, 25 de janeiro de 2016
NOVA SAFRA
O título de minha última postagem aqui no blog - em outubro de 2013 - foi: "De Volta à taça". Hoje ele é emblemático para mim, pois volto ao blog depois de mais de dois anos.
Muita coisa mudou em meu entorno, como a mídia e as minhas relações profissionais. Mas outras coisas seguem iguais como a minha ligação com o vinho brasileiro e meu desejo de que ele receba a atenção que merece.
Volto ao blog por conta da (boa) influência de algumas pessoas com as quais convivi nos últimos dias, blogueiros (as) sérios na atuação e divertidos no companheirismo.
Percebi que hoje este espaço tem um peso maior na comunicação do que tinha quando eu o comecei (em 2010) e ainda tenho em mim a intenção de comunicar com seriedade e alegria utilizando esta mídia com respeito.
A safra de uvas de 2016 recém começou no Brasil. Uma safra difícil em muitos aspectos, mas nem tão ruim em qualidade como os críticos se apressam em dizer. De certa forma parece que o mundo do vinho reflete os desafios do próprio país...
No entanto, penso sempre em uma frase de um escritor famoso (creio que é de Victor Hugo) que diz assim: "Tudo o que é necessário para que o mau prevaleça é que o bem não faça nada". Então, eu escolho (assim como muitos outros!) trabalhar, enfrentar e ultrapassar a onda de pessimismo que toma conta de muitos setores, para que saiamos fortalecidos do outro lado. E de taça cheia!
Saúde, alegria, trabalho e bons vinhos em 2016!
Eu volteeeiiiiiiiiiii!
sexta-feira, 4 de outubro de 2013
Voltar à Taça
21a Avaliação Nacional de Vinhos
Há algo de reconfortante numa taça de vinho e, acredito eu, especialmente um vinho tinto. Não, não que eles sejam os meus preferidos. Cada vinho tem seu momento e sua hora ideal, por isso evito dizer que prefiro este ou aquele. Creio que, na verdade, prefiro todos os bons vinhos!
Mas há, num dia qualquer, um conforto em ter nas mãos uma taça de um bom vinho tinto. É um conforto sensorial em muitos sentidos. Seja na forma e volume de uma taça grande corretamente preenchida, seja nos aromas frutados ou amadeirados ou complexos ou fechados, seja na coloração violácea, carmesin, rubi ou negra, seja na densidade mais pesada ou mais leve, em sua textura na boca, nas sensações que provoca e no convite que deixa para mais um gole.
Participar da 21a Avaliação Nacional de Vinhos, em Bento Gonçalves, é para mim como ter uma taça de um reconfortante vinho tinto em minhas mãos, depois de um longo dia de trabalho, numa poltrona confortável, sob a luz difusa de um abajur.
Demorei para me sentir assim, uma vez que considero esse evento o equivalente do 'Oscar' do vinho brasileiro.
Não é uma competição, não é um concurso, mas guarda em si toda a ansiedade e todos os desvarios de um desafio entre vinícolas.
Nesta última edição, realizada no sábado dia 28 de setembro, uma frase muito repetida foi a de que a avaliação atingiu a maioridade total, aos 21 anos. Concordo. Havia no ar uma sensação de coisas bem assentadas, bem feitas, de ordem e dedicação que transmitem uma certa tranquilidade a um evento que une mais de 800 pessoas, por ao menos cinco horas consecutivas de palavrório e serviço de vinhos. Não é pouco para um evento que representa uma indústria de qualidade ainda tão jovem.
Minha percepção me falou de coisas contraditórias, como essa tranquilidade advinda da experiência de mais de duas décadas realizando um evento que cresce aos poucos, da organização primorosa da Associação Brasileira de Enologia, que atribui responsabilidades grandes à todos os envolvidos. Mas muitos desses envolvidos (e vai aí a contradição) são absolutamente jovens, vários deles pouco mais velhos do que a Avaliação em si, e trouxeram ao evento deste ano uma estabilidade incrível e, ao mesmo tempo, uma certa descontração que só a juventude é capaz de ter.
O vinho na taça precisa ser tudo isso. E tudo isso não é fácil. É um desafio e tanto para uma indústria que precisa se adequar a um país que não valoriza seus próprios produtos, a não ser no sentido fiscal.
Sentada entre os mais de 800 participantes, pensando nos excelentes brancos que passaram por minha taça, nas bases de espumantes e nos tintos promissores desta safra de 2013, olho as coisas com olhos de contemplação, com olhos de quem, finalmente, consegue enxergar um pouco além de rótulos. Penso nas variadas sensações do vinho, em seu poder a taça, em sua (pouca, infelizmente) participação nas mesas dos brasileiros, penso que o vinho nacional foi, enfim, tremendamente bem explicado na gaita de Renato Borghetti, que tocou ao final do evento: é tradição gaúcha, com sobrenome italiano, tocada como jazz, intrepretando uma poesia musical de Luiz Gonzaga. É Brasil, e é lindo de ver e bom de beber!
quinta-feira, 15 de agosto de 2013
Uma taça para pensar...
No Museu da Ciência de Londres há uma área especialmente dedicada aos alimentos e bebidas. É uma exibição interativa e muito interessante chamada 'Food for Thought' (Comida para Pensar ou Alimento para as Ideias, como queiram) que fala de nutrição e processamento de alimentos.
Não sei exatamente porque esse local (que infelizmente não visito há muitos anos) me veio à memória hoje, mas é por conta dele que existe o título acima: uma taça para pensar.
Estive hoje num grande e importante evento anual dos vinhos chilenos no Brasil que, mais do que bons goles, me deu muito o que pensar.
Como todo enófilo sabe (e até mesmo o consumidor regular de vinho), o Chile tem muito poder nessa área da economia. O vinho para o Chile está entre os 5 principais produtos de exportação, o que não é dizer pouca coisa num país rico. Existem centenas de empresas de todos os tamanhos dedicadas a fazer desde vinhos industriais até ícones, passando por líquidos muito despretensiosos e chegando a néctares surpreendentes. Acredito que é exatamente assim que deve ser um bom país produtor do Novo Mundo: vários estilos de vinhos, vários preços e muita (e saudável) concorrência interna.
Mas eu me adiantei um pouco...
Nesse evento ocorreu um seminário com uma degustação de 11 vinhos que pretendia mostrar a diferenciação das três subregiões chilenas: Andes, Costa e Entre Cordilheiras. Para essa parte do evento foram convidados basicamente sommeliers-chave, alguns enófilos e a mídia.
Enquanto eu aguardava minha vez para entrar na sala comecei a pensar nas pessoas que estavam lá, fora os sommeliers, é claro, pois é uma necessidade de suas profissões que eles conheçam e se atualizem sobre as novidades do setor. Eu estava pensando na mídia mesmo, assunto recorrente neste blog.
No entanto, desta vez não estava pensando nos colegas midiáticos para criticá-los, como vez por outra faço, eu estava pensando que somos poucos, que somos os mesmos. Há muitos anos. Temos os mesmos vícios, as mesmas apreciações e os mesmos desafetos e trabalhamos para uma meia dúzia de publicações, algumas ainda bem fortes, mas somos poucos.
Sim, nossos espaços são restritos e cada vez mais raros. E isso combinado com o fato de que muitos de nós não se incomodam de trabalhar para veículos de imprensa enquanto ganham dinheiro de produtores e importadores, me fez pensar que estamos num beco sem saída, ou - para ficar na metáfora da comida - trancados dentro de uma geladeira com comida estragando.
Um dos muitos entraves na comercialização de vinhos é a incapacidade de aumentar a base consumidora, de falar com novos públicos que - muitas pesquisas apontam - estão àvidos para saber mais sobre vinhos. E quem 'fala' com as pessoas senão a mídia?
Os eventos falam também, mas só são multiplicados no momento em que caem 'na boca do povo' e nestas épocas o que está caindo na boca do povo é que vinho faz bem pra saúde mas é caro, que vinho é bebida alcoólica portanto vicia e pode ser o vilão que irá desestruturar o trânsito, as famílias, o país.
Que vinho brasileiro é ruim e que importado é bom, que precisamos nos despir de preconceitos na frente dos produtores e depois - pelas costas - dizer que preferimos um Bordeaux (seja bom ou ruim, mas é Bordeaux certo?).
Trocando de taça
Quando entrei na sala, super bem organizada como é o padrão do local onde foi feito o evento, e olhei para a mesa com uns tantos enólogos das vinícolas chilenas, me perguntei se os brasileiros conseguiriam "um dia quem sabe" sentar-se numa mesa como aquela e apresentar seus vinhos em conjunto. Será?
Bem, é claro que cada um dos que falou tentou puxar a brasa para sua sardinha, como era de se esperar. É claro também que a concorrência entre alguns deles é feroz e direta, mas estavam lá. Estavam lá porque o Brasil é MUITO importante pra eles, porque nossas compras é que pagam eventos como esses, que precisam ser multiplicados pela mídia e pelos sommeliers para que mais vinhos sejam vendidos e a indústria fique ainda mais forte. É o ciclo virtuoso, um mecanismo que os brasileiros ainda não estão preparados para fazer operar.
Assim me ocorreu que essa combinação de mídia viciada e indústria não comprometida realmente não resulta em bons negócios. Sim, dá pra culpar a carga tributária, dá pra culpar o lobby cervejeiro, dá pra culpar a safra, as estradas ruins, o lobby sumermercadista. Dá pra culpar tudo isso. Mas o que dá para FAZER? Essa é a pergunta a ser feita. O que dá para fazer sem ficar medindo pernadas com seu vizinho de terreno como se a nossa produção vitícola ainda fosse coisa de 'mérica, mérica, mérica'?
O que dá para fazer para que exista espaço para todos?
Faço essa troca de taças pois estamos enfrentando uma crise feia, e vinho é artigo de luxo precisamente para quem a indústria necessita convencer a comprar sua garrafinha semanalmente.
A mídia está em crise, a Europa está em crise e por isso manda vinhos para cá a preços impensáveis 5 anos atrás, mas como a cotação do dólar subiu e nossos importadores querem seguir com seus altos lucros, estamos pagando cada dia mais caro por vinhos cada vez mais mequetrefes.
Enquanto isso a indústria brasileira vai à mingua, com alguns (poucos) se saindo bem - seja por conta de estruturas fortes de distribuição e marketing ou por terem pequenas produções e terem encontrado seu nicho no mercado - enquanto outros tantos vão mal, muito mal e se dedicando a um chororô digno de novela cucaracha. Mas sentar-se à mesa, fazer uma ação coletiva, ou peitar os grandes e comprar brigas importantes ainda são ações isoladas, das quais só escuto falar com muita discreção.
E discreção aqui não cabe muito. Quando um produto encalha na feira, vende quem grita mais alto e tem poder de negociação. Lei básica de mercado.
Precisamos pensar o vinho na garrafa, para que ele finalmente chegue até um número maior de taças.
Precisamos pensá-lo urgentemente e coletivamente.
Bebida para pensar!
Não sei exatamente porque esse local (que infelizmente não visito há muitos anos) me veio à memória hoje, mas é por conta dele que existe o título acima: uma taça para pensar.
Estive hoje num grande e importante evento anual dos vinhos chilenos no Brasil que, mais do que bons goles, me deu muito o que pensar.
Como todo enófilo sabe (e até mesmo o consumidor regular de vinho), o Chile tem muito poder nessa área da economia. O vinho para o Chile está entre os 5 principais produtos de exportação, o que não é dizer pouca coisa num país rico. Existem centenas de empresas de todos os tamanhos dedicadas a fazer desde vinhos industriais até ícones, passando por líquidos muito despretensiosos e chegando a néctares surpreendentes. Acredito que é exatamente assim que deve ser um bom país produtor do Novo Mundo: vários estilos de vinhos, vários preços e muita (e saudável) concorrência interna.
Mas eu me adiantei um pouco...
Nesse evento ocorreu um seminário com uma degustação de 11 vinhos que pretendia mostrar a diferenciação das três subregiões chilenas: Andes, Costa e Entre Cordilheiras. Para essa parte do evento foram convidados basicamente sommeliers-chave, alguns enófilos e a mídia.
Enquanto eu aguardava minha vez para entrar na sala comecei a pensar nas pessoas que estavam lá, fora os sommeliers, é claro, pois é uma necessidade de suas profissões que eles conheçam e se atualizem sobre as novidades do setor. Eu estava pensando na mídia mesmo, assunto recorrente neste blog.
No entanto, desta vez não estava pensando nos colegas midiáticos para criticá-los, como vez por outra faço, eu estava pensando que somos poucos, que somos os mesmos. Há muitos anos. Temos os mesmos vícios, as mesmas apreciações e os mesmos desafetos e trabalhamos para uma meia dúzia de publicações, algumas ainda bem fortes, mas somos poucos.
Sim, nossos espaços são restritos e cada vez mais raros. E isso combinado com o fato de que muitos de nós não se incomodam de trabalhar para veículos de imprensa enquanto ganham dinheiro de produtores e importadores, me fez pensar que estamos num beco sem saída, ou - para ficar na metáfora da comida - trancados dentro de uma geladeira com comida estragando.
Um dos muitos entraves na comercialização de vinhos é a incapacidade de aumentar a base consumidora, de falar com novos públicos que - muitas pesquisas apontam - estão àvidos para saber mais sobre vinhos. E quem 'fala' com as pessoas senão a mídia?
Os eventos falam também, mas só são multiplicados no momento em que caem 'na boca do povo' e nestas épocas o que está caindo na boca do povo é que vinho faz bem pra saúde mas é caro, que vinho é bebida alcoólica portanto vicia e pode ser o vilão que irá desestruturar o trânsito, as famílias, o país.
Que vinho brasileiro é ruim e que importado é bom, que precisamos nos despir de preconceitos na frente dos produtores e depois - pelas costas - dizer que preferimos um Bordeaux (seja bom ou ruim, mas é Bordeaux certo?).
Trocando de taça
Quando entrei na sala, super bem organizada como é o padrão do local onde foi feito o evento, e olhei para a mesa com uns tantos enólogos das vinícolas chilenas, me perguntei se os brasileiros conseguiriam "um dia quem sabe" sentar-se numa mesa como aquela e apresentar seus vinhos em conjunto. Será?
Bem, é claro que cada um dos que falou tentou puxar a brasa para sua sardinha, como era de se esperar. É claro também que a concorrência entre alguns deles é feroz e direta, mas estavam lá. Estavam lá porque o Brasil é MUITO importante pra eles, porque nossas compras é que pagam eventos como esses, que precisam ser multiplicados pela mídia e pelos sommeliers para que mais vinhos sejam vendidos e a indústria fique ainda mais forte. É o ciclo virtuoso, um mecanismo que os brasileiros ainda não estão preparados para fazer operar.
Assim me ocorreu que essa combinação de mídia viciada e indústria não comprometida realmente não resulta em bons negócios. Sim, dá pra culpar a carga tributária, dá pra culpar o lobby cervejeiro, dá pra culpar a safra, as estradas ruins, o lobby sumermercadista. Dá pra culpar tudo isso. Mas o que dá para FAZER? Essa é a pergunta a ser feita. O que dá para fazer sem ficar medindo pernadas com seu vizinho de terreno como se a nossa produção vitícola ainda fosse coisa de 'mérica, mérica, mérica'?
O que dá para fazer para que exista espaço para todos?
Faço essa troca de taças pois estamos enfrentando uma crise feia, e vinho é artigo de luxo precisamente para quem a indústria necessita convencer a comprar sua garrafinha semanalmente.
A mídia está em crise, a Europa está em crise e por isso manda vinhos para cá a preços impensáveis 5 anos atrás, mas como a cotação do dólar subiu e nossos importadores querem seguir com seus altos lucros, estamos pagando cada dia mais caro por vinhos cada vez mais mequetrefes.
Enquanto isso a indústria brasileira vai à mingua, com alguns (poucos) se saindo bem - seja por conta de estruturas fortes de distribuição e marketing ou por terem pequenas produções e terem encontrado seu nicho no mercado - enquanto outros tantos vão mal, muito mal e se dedicando a um chororô digno de novela cucaracha. Mas sentar-se à mesa, fazer uma ação coletiva, ou peitar os grandes e comprar brigas importantes ainda são ações isoladas, das quais só escuto falar com muita discreção.
E discreção aqui não cabe muito. Quando um produto encalha na feira, vende quem grita mais alto e tem poder de negociação. Lei básica de mercado.
Precisamos pensar o vinho na garrafa, para que ele finalmente chegue até um número maior de taças.
Precisamos pensá-lo urgentemente e coletivamente.
Bebida para pensar!
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