Nessa fase o Circuito começou em Porto Alegre, passou por São Paulo, Recife e Fortaleza. Dos quatro eventos eu estive presente em três, e em dois deles (no nordeste) como palestrante.
O objetivo do Circuito é muito claro: apresentar aos profissionais do setor (donos de bares/hotéis/restaurantes, bartenders, garçons, chefs de cozinha, maitrês, sommeliers e donos de lojas de bebidas) a diversidade do mundo do vinho brasileiro. O evento também é aberto durante um par de horas para o consumidor final. Tudo isso é gratuito para os degustadores.
O Ibravin convida os produtores, que arcam com uma parte das despesas, enquanto a outra fica por conta de fundos da entidade destinados à promoção. Eles podem levar quantos vinhos quiserem e participar das capitais que escolherem. Nos eventos dos quais participei estavam mais de 20 produtores nacionais, entre pequenos, médios e grandes.
Infelizmente não pude estar em Porto Alegre, mas conversando com os produtores depois, descobri que o evento foi muito interessante e importante para quem lá expôs.
Vale ressaltar que, diferentemente de outras feiras, onde quem tem mais dinheiro faz um estande mais bonito, no Circuito as mesas são rigorosamente iguais e os acessórios que existem para um são iguais para os outros.
Já o público...como dizia o 'reclame' antigo: "Quanta diferença"!
Os gaúchos, claro, valorizam sua cultura regional e o vinho está fortemente inserido nela, por isso nada mais natural de que o evento estivesse concorrido e agradável por aquelas terras.
São Paulo, no entanto, é outra história.
Tão valorizado e prezado, a ponto de ser aquele lugar onde o produtor "paga" para que seu vinho apenas apareça em uma carta (nem que nem uma só garrafa seja vendida), é um lugar que se comporta mal.
Na foto acima, Patrícia Poggere, da vinícola Luiz Argenta, enfrentando o calor da tarde paulistana e abaixo duas passistas da Vai-Vai, escola paulistana que terá seu samba enredo de 2013 falando do Vinho Brasileiro, junto de uma das lindas recepcionistas do evento.
O paulistano está (ou 'é' - pior ainda) arrogante, preconceituoso e metido a besta (não estou generalizando pois toda generalização é burra). Não sabe separar a política dos negócios (vide esse falastrão cheio de botox que é candidato a prefeito aqui) e acaba fazendo questão de por o dedo no nariz de todo mundo para perguntar: "Você sabe quem eu sou?".
Entreouvi conversas que me deixaram de cabelo em pé, com vergonha de ser paulistana, com vergonha dos que se dizem 'enófilos' por aqui, pois essa denominação está se parecendo perigosamente com 'dono-da-verdade'.
O tempo todo fiquei com a sensação de que as pessoas estão falando demais e agindo de menos, em ambos os lados. Independentemente de posições políticas, não há como justificar a falta de educação. Não compartilha das ideias? Não vá ao evento. E se for, por respeito aos produtores que lá estão ou por curiosidade de enófilo, comporte-se.
Eu já estava incomodada com esses comportamentos quando, dias depois desse evento em São Paulo, escutei de uma pessoa da mídia (que recebe dinheiro e atenção dos vinhateiros brasileiros) o seguinte comentário: "Até que eles estão aprendendo a fazer vinho por aqui. Também, depois de tanto a gente falar!".
Fiquei boquiaberta com a arrogância e com a ideia de que algo na indústria do vinho no Brasil mudou por conta do comentário de uma pessoa de uma mídia obscura. Coisa rara em mim, não consegui nem responder. Pior, fiquei pensando que, com alguém que se advoga todo esse 'poder', nenhum argumento é possível.
Quando fui para o nordeste é que pude perceber como o 'outro' Brasil se comporta. A primeira parada foi a cidade do Recife, no meu entender a segunda capital gastronômica do país, com excelentes opções em todas as áreas da culinária, e ainda bem pouco contaminada pelos preços extorsivos praticados no eixo Rio_SP.
O evento foi realizado no salão do Paço da Alfândega, um lindo espaço com vista para o rio e para o mar, na entrada do bairro de Recife Velho. O público, tanto o especializado quanto o leigo, foi elegante e correto, interessado e tranquilo.
A degustação que fui convidada a conduzir (na foto abaixo) era de espumantes dos dois métodos, tradicional e charmat, e foi muito boa de se fazer, com seis diferentes rótulos e a presença de sommeliers, bartenders, consumidores finais e donos de restaurantes.
A segunda escala foi a cidade de Fortaleza, onde o espaço escolhido foi o salão Mar de um importante buffet que, para mim pessoalmente, trouxe adoráveis lembranças do final da década de 1970, quando aquele local era o mais elegante restaurante da região, chamado Sandra's, um local mágico, sobre uma enorme duna de onde se avista o mar, e eu (pré-adolescente) lembro-me de comer lagosta e ser servida por garçons de luvas brancas.
Reformado e renovado, ainda conserva a elegância e o serviço atencioso, comentado por todos os expositores.
A sala (na foto abaixo) onde conduzi a degustação (dessa vez de vinhos brancos e rosés) tinha um detalhe adorável: cada uma das mesas era coberta por uma toalha com os bordados típicos do nordeste, uma maneira linda de valorizar a produção regional.
Expositores como a Valduga (Juciane Casagrande à esquerda na foto), Don Giovanni (Daniel no meio) e a Cooperativa Aurora (Paula S. Guerra) na ponta direita, comentaram sobre a qualidade do público e o interesse das pessoas nos produtos nacionais, muitos deles provando os vinhos pela primeira vez.
Eu escutei de uma das degustadoras que compareceram à degustação que conduzi a seguinte frase: "Eu e meu marido somos donos de bares e restaurantes e tenho que confessar que cheguei aqui com preconceito, mas saio com 'o rabo entre as pernas' por conta da quantidade de bons vinhos que provei".
Que diferença não? Comentários como esse escutei vários, dos professores da associação de bartenders, de donos de lojas etc.
Tudo são bromélias afinal no nordeste? Claro que não. Afinal esta é a realidade e não a ficção que muitos querem passar adiante. Também presenciei gente (em ambas as cidades) juntando o conteúdo de uma garrafa na outra para levar consigo (ainda bem que eram do mesmo vinho) e o desagradável pedido de uma senhora ao final do evento em Fortaleza: "O que você tem aí para a Vigilância Sanitária?". Como minha resposta foi a de que eu não era produtora nem expositora e sim da imprensa, ela virou as costas e foi de mesa em mesa pedindo, até que conseguiu uma garrafa para levar para a casa. Sim, isso é Brasil, a parte que mais detestamos dele.
Nas conversas com os expositores em nossos jantares, na espera por aviões, taxis etc, escutei a satisfação de ter feito os eventos no nordeste e a constatação de que por lá existe mais desconhecimento do que preconceito, o contrário do que existe em São Paulo.
Minha conclusão? Deixem São Paulo para lá, conquistem o Brasil onde ele é mais amigável, ao invés de ficar malhando ferro frio e de má liga. Quem for de bem saberá onde procurar e quem não for deixará de causar estrago.
Fico com a lembrança da música cantada por Elis Regina: "O Brasil não conhece o Brasil. O Brasil nunca foi ao Brasil".
Abaixo, algumas imagens de um local que sempre me deixa feliz, o mercado municipal do Recife, que se chama São José, não por acaso o carpinteiro bíblico, aquele que ensina a aceitar e construir.
Bons brindes!