quinta-feira, 15 de agosto de 2013
Uma taça para pensar...
No Museu da Ciência de Londres há uma área especialmente dedicada aos alimentos e bebidas. É uma exibição interativa e muito interessante chamada 'Food for Thought' (Comida para Pensar ou Alimento para as Ideias, como queiram) que fala de nutrição e processamento de alimentos.
Não sei exatamente porque esse local (que infelizmente não visito há muitos anos) me veio à memória hoje, mas é por conta dele que existe o título acima: uma taça para pensar.
Estive hoje num grande e importante evento anual dos vinhos chilenos no Brasil que, mais do que bons goles, me deu muito o que pensar.
Como todo enófilo sabe (e até mesmo o consumidor regular de vinho), o Chile tem muito poder nessa área da economia. O vinho para o Chile está entre os 5 principais produtos de exportação, o que não é dizer pouca coisa num país rico. Existem centenas de empresas de todos os tamanhos dedicadas a fazer desde vinhos industriais até ícones, passando por líquidos muito despretensiosos e chegando a néctares surpreendentes. Acredito que é exatamente assim que deve ser um bom país produtor do Novo Mundo: vários estilos de vinhos, vários preços e muita (e saudável) concorrência interna.
Mas eu me adiantei um pouco...
Nesse evento ocorreu um seminário com uma degustação de 11 vinhos que pretendia mostrar a diferenciação das três subregiões chilenas: Andes, Costa e Entre Cordilheiras. Para essa parte do evento foram convidados basicamente sommeliers-chave, alguns enófilos e a mídia.
Enquanto eu aguardava minha vez para entrar na sala comecei a pensar nas pessoas que estavam lá, fora os sommeliers, é claro, pois é uma necessidade de suas profissões que eles conheçam e se atualizem sobre as novidades do setor. Eu estava pensando na mídia mesmo, assunto recorrente neste blog.
No entanto, desta vez não estava pensando nos colegas midiáticos para criticá-los, como vez por outra faço, eu estava pensando que somos poucos, que somos os mesmos. Há muitos anos. Temos os mesmos vícios, as mesmas apreciações e os mesmos desafetos e trabalhamos para uma meia dúzia de publicações, algumas ainda bem fortes, mas somos poucos.
Sim, nossos espaços são restritos e cada vez mais raros. E isso combinado com o fato de que muitos de nós não se incomodam de trabalhar para veículos de imprensa enquanto ganham dinheiro de produtores e importadores, me fez pensar que estamos num beco sem saída, ou - para ficar na metáfora da comida - trancados dentro de uma geladeira com comida estragando.
Um dos muitos entraves na comercialização de vinhos é a incapacidade de aumentar a base consumidora, de falar com novos públicos que - muitas pesquisas apontam - estão àvidos para saber mais sobre vinhos. E quem 'fala' com as pessoas senão a mídia?
Os eventos falam também, mas só são multiplicados no momento em que caem 'na boca do povo' e nestas épocas o que está caindo na boca do povo é que vinho faz bem pra saúde mas é caro, que vinho é bebida alcoólica portanto vicia e pode ser o vilão que irá desestruturar o trânsito, as famílias, o país.
Que vinho brasileiro é ruim e que importado é bom, que precisamos nos despir de preconceitos na frente dos produtores e depois - pelas costas - dizer que preferimos um Bordeaux (seja bom ou ruim, mas é Bordeaux certo?).
Trocando de taça
Quando entrei na sala, super bem organizada como é o padrão do local onde foi feito o evento, e olhei para a mesa com uns tantos enólogos das vinícolas chilenas, me perguntei se os brasileiros conseguiriam "um dia quem sabe" sentar-se numa mesa como aquela e apresentar seus vinhos em conjunto. Será?
Bem, é claro que cada um dos que falou tentou puxar a brasa para sua sardinha, como era de se esperar. É claro também que a concorrência entre alguns deles é feroz e direta, mas estavam lá. Estavam lá porque o Brasil é MUITO importante pra eles, porque nossas compras é que pagam eventos como esses, que precisam ser multiplicados pela mídia e pelos sommeliers para que mais vinhos sejam vendidos e a indústria fique ainda mais forte. É o ciclo virtuoso, um mecanismo que os brasileiros ainda não estão preparados para fazer operar.
Assim me ocorreu que essa combinação de mídia viciada e indústria não comprometida realmente não resulta em bons negócios. Sim, dá pra culpar a carga tributária, dá pra culpar o lobby cervejeiro, dá pra culpar a safra, as estradas ruins, o lobby sumermercadista. Dá pra culpar tudo isso. Mas o que dá para FAZER? Essa é a pergunta a ser feita. O que dá para fazer sem ficar medindo pernadas com seu vizinho de terreno como se a nossa produção vitícola ainda fosse coisa de 'mérica, mérica, mérica'?
O que dá para fazer para que exista espaço para todos?
Faço essa troca de taças pois estamos enfrentando uma crise feia, e vinho é artigo de luxo precisamente para quem a indústria necessita convencer a comprar sua garrafinha semanalmente.
A mídia está em crise, a Europa está em crise e por isso manda vinhos para cá a preços impensáveis 5 anos atrás, mas como a cotação do dólar subiu e nossos importadores querem seguir com seus altos lucros, estamos pagando cada dia mais caro por vinhos cada vez mais mequetrefes.
Enquanto isso a indústria brasileira vai à mingua, com alguns (poucos) se saindo bem - seja por conta de estruturas fortes de distribuição e marketing ou por terem pequenas produções e terem encontrado seu nicho no mercado - enquanto outros tantos vão mal, muito mal e se dedicando a um chororô digno de novela cucaracha. Mas sentar-se à mesa, fazer uma ação coletiva, ou peitar os grandes e comprar brigas importantes ainda são ações isoladas, das quais só escuto falar com muita discreção.
E discreção aqui não cabe muito. Quando um produto encalha na feira, vende quem grita mais alto e tem poder de negociação. Lei básica de mercado.
Precisamos pensar o vinho na garrafa, para que ele finalmente chegue até um número maior de taças.
Precisamos pensá-lo urgentemente e coletivamente.
Bebida para pensar!
Não sei exatamente porque esse local (que infelizmente não visito há muitos anos) me veio à memória hoje, mas é por conta dele que existe o título acima: uma taça para pensar.
Estive hoje num grande e importante evento anual dos vinhos chilenos no Brasil que, mais do que bons goles, me deu muito o que pensar.
Como todo enófilo sabe (e até mesmo o consumidor regular de vinho), o Chile tem muito poder nessa área da economia. O vinho para o Chile está entre os 5 principais produtos de exportação, o que não é dizer pouca coisa num país rico. Existem centenas de empresas de todos os tamanhos dedicadas a fazer desde vinhos industriais até ícones, passando por líquidos muito despretensiosos e chegando a néctares surpreendentes. Acredito que é exatamente assim que deve ser um bom país produtor do Novo Mundo: vários estilos de vinhos, vários preços e muita (e saudável) concorrência interna.
Mas eu me adiantei um pouco...
Nesse evento ocorreu um seminário com uma degustação de 11 vinhos que pretendia mostrar a diferenciação das três subregiões chilenas: Andes, Costa e Entre Cordilheiras. Para essa parte do evento foram convidados basicamente sommeliers-chave, alguns enófilos e a mídia.
Enquanto eu aguardava minha vez para entrar na sala comecei a pensar nas pessoas que estavam lá, fora os sommeliers, é claro, pois é uma necessidade de suas profissões que eles conheçam e se atualizem sobre as novidades do setor. Eu estava pensando na mídia mesmo, assunto recorrente neste blog.
No entanto, desta vez não estava pensando nos colegas midiáticos para criticá-los, como vez por outra faço, eu estava pensando que somos poucos, que somos os mesmos. Há muitos anos. Temos os mesmos vícios, as mesmas apreciações e os mesmos desafetos e trabalhamos para uma meia dúzia de publicações, algumas ainda bem fortes, mas somos poucos.
Sim, nossos espaços são restritos e cada vez mais raros. E isso combinado com o fato de que muitos de nós não se incomodam de trabalhar para veículos de imprensa enquanto ganham dinheiro de produtores e importadores, me fez pensar que estamos num beco sem saída, ou - para ficar na metáfora da comida - trancados dentro de uma geladeira com comida estragando.
Um dos muitos entraves na comercialização de vinhos é a incapacidade de aumentar a base consumidora, de falar com novos públicos que - muitas pesquisas apontam - estão àvidos para saber mais sobre vinhos. E quem 'fala' com as pessoas senão a mídia?
Os eventos falam também, mas só são multiplicados no momento em que caem 'na boca do povo' e nestas épocas o que está caindo na boca do povo é que vinho faz bem pra saúde mas é caro, que vinho é bebida alcoólica portanto vicia e pode ser o vilão que irá desestruturar o trânsito, as famílias, o país.
Que vinho brasileiro é ruim e que importado é bom, que precisamos nos despir de preconceitos na frente dos produtores e depois - pelas costas - dizer que preferimos um Bordeaux (seja bom ou ruim, mas é Bordeaux certo?).
Trocando de taça
Quando entrei na sala, super bem organizada como é o padrão do local onde foi feito o evento, e olhei para a mesa com uns tantos enólogos das vinícolas chilenas, me perguntei se os brasileiros conseguiriam "um dia quem sabe" sentar-se numa mesa como aquela e apresentar seus vinhos em conjunto. Será?
Bem, é claro que cada um dos que falou tentou puxar a brasa para sua sardinha, como era de se esperar. É claro também que a concorrência entre alguns deles é feroz e direta, mas estavam lá. Estavam lá porque o Brasil é MUITO importante pra eles, porque nossas compras é que pagam eventos como esses, que precisam ser multiplicados pela mídia e pelos sommeliers para que mais vinhos sejam vendidos e a indústria fique ainda mais forte. É o ciclo virtuoso, um mecanismo que os brasileiros ainda não estão preparados para fazer operar.
Assim me ocorreu que essa combinação de mídia viciada e indústria não comprometida realmente não resulta em bons negócios. Sim, dá pra culpar a carga tributária, dá pra culpar o lobby cervejeiro, dá pra culpar a safra, as estradas ruins, o lobby sumermercadista. Dá pra culpar tudo isso. Mas o que dá para FAZER? Essa é a pergunta a ser feita. O que dá para fazer sem ficar medindo pernadas com seu vizinho de terreno como se a nossa produção vitícola ainda fosse coisa de 'mérica, mérica, mérica'?
O que dá para fazer para que exista espaço para todos?
Faço essa troca de taças pois estamos enfrentando uma crise feia, e vinho é artigo de luxo precisamente para quem a indústria necessita convencer a comprar sua garrafinha semanalmente.
A mídia está em crise, a Europa está em crise e por isso manda vinhos para cá a preços impensáveis 5 anos atrás, mas como a cotação do dólar subiu e nossos importadores querem seguir com seus altos lucros, estamos pagando cada dia mais caro por vinhos cada vez mais mequetrefes.
Enquanto isso a indústria brasileira vai à mingua, com alguns (poucos) se saindo bem - seja por conta de estruturas fortes de distribuição e marketing ou por terem pequenas produções e terem encontrado seu nicho no mercado - enquanto outros tantos vão mal, muito mal e se dedicando a um chororô digno de novela cucaracha. Mas sentar-se à mesa, fazer uma ação coletiva, ou peitar os grandes e comprar brigas importantes ainda são ações isoladas, das quais só escuto falar com muita discreção.
E discreção aqui não cabe muito. Quando um produto encalha na feira, vende quem grita mais alto e tem poder de negociação. Lei básica de mercado.
Precisamos pensar o vinho na garrafa, para que ele finalmente chegue até um número maior de taças.
Precisamos pensá-lo urgentemente e coletivamente.
Bebida para pensar!
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