Cada vez que vejo alguém sinceramente religioso, cada vez que observo uma manifestação de fé numa pessoa, tenho um fio triste de inveja que me percorre.
O passar dos anos tem me feito ainda mais cética e mais consciente dessa 'inveja branca' de quem 'acredita'. Eu gostaria de ter o conforto da religião, mas não tenho.
Este ano que se encerra foi para mim mais uma demonstração de que quase tudo na vida é movido por interesses econômicos ou favores pessoais - o que não raro dá no mesmo.
Foi um ano de altos e baixos e em anos assim a minha visão (crença talvez? que ironia!) de que escolhemos fazer o bem (ou o mal) por conta de nossa natureza sem que isso seja capaz de influenciar o curso das coisas - ao menos no aqui e no agora - é correta.
Eu escolhi (e continuarei escolhendo) fazer o bem. Continuarei reportando, escutando e fazendo o possível para me comportar com a máxima correção, na minha profissão e fora dela. Mas confesso que o que vejo ao meu redor não é nada disso.
Vejo corrupção em variadas formas, vejo desamor aplicado entre familiares, entre amigos, com animais e até mesmo com os anônimos que cruzam nossas vidas.
Vejo favorecimentos em cadeia e isso gera reações cujos resultados depois ninguém parece entender.
Vejo 'os poderosos' em pequena e grande escala tratando os outros como se não houvesse amanhã e seus interesses pessoais estivessem acima de toda e qualquer ética.
Não acredito que haja 'salvação' para nada disso e cada dia menos desejo me meter nessas disputas.
Infelizmente, a minha realidade profissional me faz estar junto de muitas disputas e a presenciar atos, conversas e comportamentos que me entristecem e me colocam no oposto do espectro da fé.
O filósofo Aristóteles disse que "O homem é por natureza um ser social", mas não se prolongou sobre como ser 'sociável' numa sociedade conturbada onde, nas palavras de outro filósofo: "O homem é o lobo do homem". Muitas vezes eu me canso de ser um ser social, sociável ou coisa que o valha.
Recebi um prêmio neste ano, e esse simples evento me desencadeou uma série de considerações que me deixaram boquiaberta.
Em princípio achei que não era merecedora da honraria, mas logo compreendi que ser homenageada por pessoas que você admira é um privilégio. Depois vi as manifestações de alegria sincera e não sincera de meus pares. É difícil precisar se é mais estranho quem lhe cumprimenta por educação e por pensar que não 'deve se opor' a você ou quem simplesmente finge que não viu.
Eu, provavelmente como pessoa, não preciso de nenhum desses dois estilos de gente em minha vida. Mas sou obrigada a conviver com ambos.
A premiação também lhe dá um senso renovado de responsabilidade, não compartilhável com quem nunca passou por isso ou com quem sente inveja ou medo do que alguém (ha ha ha!) 'premiado' possa fazer.
Acredito numa coisa: que tudo passa, que tudo é transitório. Então por alguns instantes agradáveis e bem vindos para o ego, eu fui homenageada. Mas amanhã será outra pessoa, e depois outra e assim por diante. Nenhuma realização humana é para sempre, por isso não entendo a inveja e o cinismo que corroeram muita gente próxima a mim neste ano.
Outra coisa na qual acredito é que 'o mundo gira a lusitana roda', ou seja praticamente tudo o que jogamos para o mundo acaba por voltar para nós, quer percebamos ou não, assim nossas atitudes (boas ou más) retornarão para nossas realidades. É óbvio que não é 'olho por olho, dente por dente', como dizia a pena de Talião, mas é quase isso. O que parece iludir as pessoas é a sua não percepção de que não é o 'tapa na cara' que volta, mas a agressão cometida de alguma forma.
Meu marido diz que eu levo as coisas todas para o lado pessoal. Ele está certo. Eu me chateio, eu fico magoada, eu reajo mal a algumas coisas e, infelizmente, algumas (poucas, felizmente) vezes eu desejo reagir MUITO mal.
Ou seja, viver não é ter fé que as coisas vão dar certo. Viver é aprendizado, é conhecimento, é observação, é superação. É 'não reação' muitas vezes, um aprendizado complicado.
O inefável nessa questão, ao menos para mim, não é nenhum ser supremo ou celestial. É o amor "que não obedece a dicionários ou a regulamentos vários", como disse o poeta.
O amor sustenta, alegra, consola, agrega. E não estou falando apenas de amor por outros seres (pessoas ou animais) estou falando de ter olhos de amor para com a natureza, a terra que nos sustenta e nos suporta, para com as coisas que fazemos e criamos, para com a vida em geral, frágil e poderosa ao mesmo tempo.
Amei estar na Itália e na Argentina neste ano. Amei levar o 'Vinho Verde' para muitas cidades do interior de São Paulo, amei participar do Carnaval do vinho em Porto Alegre e conhecer novas vinícolas pelo país. Amei poder editar uma revista inteira, do índice ao café e a conta. Amei e sofri nos desafios.
Amei e sofri ao me deparar com a pessoa que desejo (e posso) ser mas que ainda não sou, e que precisa de ajuda e atenção. O mundo gira a lusitana roda.
Amei ter amigos próximos e distantes e de alguma forma poder me relacionar com pessoas que aprecio de forma mais aberta.
Amei poder celebrar os 50 anos de meu marido e os 70 de minha mãe, poder passar um ano desfrutando de saúde e disposição que me permitiram honrar meus compromissos.
Senti as perdas de gente inteligente que nossa nação sofreu, senti o sofrimento de gente amiga doente e senti que muitas vezes não fui capaz de ajudar.
Mas há muito mais para ser feito, há muito pelo que lutar para manter a vida e poder desfrutá-la com a consciência limpa e leve.
Há um novo ano pela frente, uma nova safra, novos amigos, novos vinhos, novas edições de revistas, novos desafios para enfrentrar.
Não acredito que faça diferença no calendário do universo a passagem de 31 de dezembro para 1o de janeiro. Mas acredito SIM que nossos desejos e anseios tem o poder de 'limpar o ar' para os novos dias e com eles me alinho, para que sejamos melhores, mais honestos, mais éticos, mais bondosos em 2013!
Feliz Ano Novo e excelentes brindes!