Colheita 2016

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domingo, 16 de dezembro de 2012

Mendoza!!! - Parte 1


Há anos eu desejava conhecer Mendoza, é um desses lugares que o enófilo que se diz 'sério' precisa conhecer, no meu entender.
As argentinos são aqueles vizinhos que admiramos e invejamos ao mesmo tempo, e suspeito que a recíproca seja verdadeira. Assuntos de futebol à parte (porque também ninguém quer comprar essa rivalidade em sã consciência), as praias daqui, a neve de lá, o carnaval daqui, o tango de lá, são deliciosamente complementares e indo mais além, São Paulo em seus bons dias é uma pequena Nova Iorque e Buenos Aires tem aquele ar de Europa que ninguém consegue negar. Nossos governos são irmanamente ineficazes, nossas ditaduras foram perigosamente semelhantes e na fronteira são todos gaúchos, de vinho, carne e bombacha, aqui e lá!
Assim, tendo estado na Argentina várias vezes mas nunca em Mendoza, imaginem como estava a minha ansiedade para ir participar do concurso Malbec al Mundo, como jurada, convidada por Ricardo Godoy, presidente da APEAA (Associação dos Profissionais de Enologia e Alimentos da Argentina).
Claro que nem sempre as coisas acontecem com nós queremos e a greve geral na Argentina aconteceu exatamente no que seria meu primeiro dia de viagem, portanto tive que ir um dia depois, e perdi o começo do evento. Mas é preciso se adaptar e entender que o povo argentino é muito melhor de protestos do que nós. Eles efetivamente pararam o país por um dia. Tem seu valor!
Chegar lá também não é fácil. É preciso voar até Buenos Aires (ou até Santiago do Chile) e esperar por um bom tempo (no meu caso mais de 6 horas) pelo vôo de conexão para Mendoza. A cidade fica no norte do país, bem mais perto de Santiago (por estar do outro lado da Cordilheira) do que de Buenos Aires.
Mas cheguei, num final de tarde lindo como o da foto abaixo na praça central, cansada mas feliz por estar na cidade pela primeira vez.


Chegar em outro país é sempre interessante, ao menos para mim que sou uma apaixonada por lugares diferentes, ainda mais se esses lugares forem produtores de vinho (risos). Mas Mendoza tem uma coisa muito distinta: é um oásis num deserto pedregoso, excessivamente quente e igualmente gelado, e é só por conta das nascentes e da água de degelo da Cordilheira dos Andes que a cidade cresce e se mantêm verde. No entanto, basta sair por apenas alguns quilómetros para fora da cidade, em áreas não irrigadas, para se perceber que deserto é aquilo.
Na foto abaixo se vê uma das calhas de irrigação que correm pela cidade e pelo campo. Elas são vitais para a economia local.

A mão humana (e seu poder transformador) fez toda a diferença. Fica bem claro a razão dela (a ação do homem) ter sido incluída na moderna definição de 'terroir'.
Logo após chegar, tivemos (o grupo de jurados internacionais, que incluia também o enólogo Luciano Vian, diretor técnico da Don Giovanni em Pinto Bandeira) um jantar com visita na central da Bodega Trapiche (foto abaixo).


A vinícola é histórica e pertence a um dos grupos mais poderosos de produtores argentinos. A estrutura para receber turistas é muito boa e a vinícola (se vocês repararem na foto acima) parece uma estação de trem. E era, de certa forma. A linha férrea passava dentro da propriedade e de uma sala hoje utilizada como sala de eventos, com piso de madeira de ipê brasileiro e enormes portas duplas, as barricas de vinho eram roladas e embarcadas nos vagões, para serem distribuídas pelo país. Ainda é possível ver toda essa estrutura, bem preservada e bela.
Na foto abaixo fica a mesa onde jantamos, com o piso de vidro que deixa ver a sala de barricas onde amadurecem os vinhos mais especiais.


O agradável jantar foi seguido do merecido descanso (eu estava acordada há 22 horas já, por conta dos horários malucos dos vôos) para no dia seguinte juntar-me ao grupo de degustadores.
O concurso foi realizado num local chamado de Nave Cultural, uma antiga estrutura industrial de galpões contínuos que foi remodelada e transformada num moderno espaço de eventos, exposições, auditório e café.
Os três dias de degustações (dos quais eu participei de dois) aconteceram lá.



A mesa onde eu estava alocada foi presidida num dos dias pelo enólogo Mariano di Paolo (foto acima), diretor técnico da Rutini Wines, velha conhecida de nós brasileiros.
Confesso que estava numa mesa de 'feras' onde a única pessoa não formada em enologia era eu. Mas degustar é, também, técnica e como toda a degustação seguia os ditames da OIV (Organização Internacional da Uva e do Vinho) e eu já havia sido jurada aqui no Brasil e na Itália seguindo esses preceitos, as coisas vão ficando mais fáceis de seguir.
Na metade da degustação ocorre uma parada para descanso, e como as chuvas na região são esparsas, o café era servido na área externa, junto ao jardim. E como tantos outros, eu também não resisti a fotografar a mobília externa que, além de bonita, era confortável.


Ao final das degustações do dia, nosso grupo era levado para almoçar e visitar uma vinícola. Nesse meu primeiro dia saímos da cidade em direção a região de Luján de Cuyo, para conhecer a Bodega Calle. Pequena e acolhedora, ela é dirigida por argentinos, mas uma parte de seu capital é americano e por conta disso muito de sua produção é diretamente exportado. O enólogo, Sérgio Montiel, é muito jovem e seria, no dia seguinte, o presidente da mesa onde eu estava degustando.


A fachada discreta da vinícola não dá a entender que essa seja mais do que uma casa antiga bem conservada. Toda a estrutura da vinícola está num galpão ao lado, discretamente protegido por um muro alto e tudo que se vê de fora é uma calma casa senhorial.


Sob o calor de mais de 30 graus, fomos recebidos por uma equipe atenciosa, num local fresco e bem cuidado e, principalmente, com uma deliciosa taça do branco Torrontés, gelado e perfumado, que rapidamente afastou o calor do dia.
Em seguida, enquanto nos apresentávamos aos anfitrões, as empanadas de carne, quentes e macias foram servidas, além de pequenos sanduíches de presunto tipo Parma em pão de miga. Percebendo nossa fome, o garçon nos seguiu pela visita às intalações, com sua cesta de delícias. Cada um de nós levava sua própria taça, num passeio descontraído e relaxante.


A mesa posta era linda em sua simplicidade. Como decoração apenas folhas de parreira em potes brancos e a beleza da sala antiga que se abria para o vinhedo ensolarado.


O cardápio foi Mendocino: carnes, é claro, com saladas, pão e empanadas para acompanhar. Isso tudo com a linha completa de vinhos da Calle à disposição.


Na volta para a cidade, alguns dormiam na van, depois do lauto almoço e dos vinhos ingeridos em significativa quantidade.
Eu, que não durmo à tarde de maneira nenhuma, aproveitei para absorver a paisagem nova. Árida, é bem verdade, mas de uma beleza rústica, terrosa e bem menos rural do que eu imaginava.
Verdade seja dita, Mendoza é uma cidade com mais de um milhão de habitantes, o que a deixa longe de ser uma cidade interiorana, mesmo estando a mais de 500 km de distância da capital do país.


A programação da noite incluiu uma visita à Bodega Familia Zuccardi. Seu centro de recebimento de visitantes recebe, por ano, quase o mesmo número de turistas que o Vale do Vinhedos inteiro, ou seja, mais de 100 mil pessoas.
É um lugar lindo, com loja, restaurante, bar, uma belíssima área externa com mesas sob as parreiras e outros luxos.

Nosso grupo nesse jantar era um pouco maior, com a presença do presidente da associação do enólogos, Ricardo Godoy, a presidente do concurso, Maria Alejandra e a presidente da OIV, a enóloga Claudia Quini, que é argentina mas tem dividido seu tempo entre Mendoza e Paris, onde fica a sede da OIV.
Nesse jantar fomos recebidos pelo presidente da empresa, José Alberto Zuccardi, que herdou de seu pai a vinícola e tem passado uma boa parte dela para seus três filhos. Um deles, inclusive, é apaixonado por azeites, e fez desse mais um dos negócios do grupo.
Em nossa mesa de jantar, quatro tipos de azeites produzidos na região eram servidos (e degustados) por um orgulhoso pai (na foto abaixo, atrás das garrafas).





Elegante e muito bem servido, o jantar foi a autêntica parrilla argentina, com todos os tipos de carne, legumes grelhados, saladas, empanadas e uma enorme sequência de vinhos.
Um jantar inesquecível, mas que muitos dos convidados (eu inclusive) preferíamos que tivesse sido um almoço, pois toda aquela deliciosa comida acabou sendo excessiva para o jantar.



Fato é que a simpatia de José Alberto (ao fundo na foto abaixo), as boas conversas, a qualidade da comida do parrilleiro (foto acima), acabaram por fazer com que todos nós comêssemos mais do que deveríamos e nada mais há para culpar do que os anfitriões excelentes que são os Zuccardi.


Como a história é longa e esta postagem já está comprida demais, amanhã conto mais...
A propósito, na foto acima está o 'Soleira', o vinho de sobremesa dos Zuccardi, feito com uvas Torrontés no mesmo método de solera dos maravilhos Jerez espanhóis. Ainda não estão no Brasil, mas quem sabe a Ravin (importadora da Zuccardi) traz também. Esse vinho pertence à conhecida linha dos vinhos de sobremesa deles, a Malamado.
Hasta pronto!



Um comentário:

  1. simplesmente bábaro a tua postagem....
    deu saudade de Mendoza!!!!
    saludos
    Zz

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