Colheita 2016

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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Vinho e Preconceito


Vinho e Preconceito

Sou fã confessa da escritora inglesa Jane Austen, que morreu em 1817 e deixou livros que - embora classificados como romances - são um testemunho (e uma crítica) da sociedade inglesa de sua época.
Uma das minhas obras preferidas é 'Orgulho e Preconceito', de 1813, onde a Srta. Elizabeth Bennet, segunda filha de uma familia numerosa e pouco influente, divide-se entre a atração e o orgulho (orgulho no sentido negativo da palavra) pelo influente e nobre Sr. Darcy. Ele, por sua vez, também sente-se atraído pela jovem Elizabeth, mas é atormentado pelo preconceito que sente pelos modos da família da jovem. Os dois sentimentos se intercalam e mudam de personagem conforme a trama do livro avança.
Orgulho e Preconceito são matéria corrente no mundo do vinho. Não apenas no Brasil, estejam certos. Suspeito até que existem em todas as partes, mas por motivos diferentes.
Nos países mais tradicionais, há preconceito das empresas mais velhas com as mais jovens, há arrogância de achar que porque fazem há mais tempo, fazem melhor. Nos países bem sucedidos do novo mundo há preconceito contra quem produz grandes volumes, contra as cooperativas (na Europa isso existe mas é mais discreto) e contra os pequenos produtores que atuam sós. O que todos parecem ter é um orgulho excludente, ao achar que o que fazem em suas caves é cantinas é o melhor produto e - por consequência - o que qualquer outro produtor faz é ruim.
Já o consumidor, principalmente o europeu, quer variedade, preço e - quando tem maior poder de compra - qualidade superior e elegância. Não interessa de onde vem. Pequeno, grande, nativo ou estrangeiro. O que é bom é bom. E ponto.

O 'bullying' com o vinho brasileiro

Nada é fácil neste país, não é mesmo? Apenas a vida dos políticos, ao que tudo tem indicado historicamente.
Orgulho, arrogância, preconceito e 'bullying' (palavra inglesa que significa usar a força física ou a intimidação psicológica para fazer com que alguém faça o que desejamos ou se comporte como desejamos) são matéria presente seja na produção de vinhos no Brasil ou no seu consumo.
O que me preocupa mais é o último. Concorrência entre empresas, produtores, importadores ou vendedores é brutal e, de certa forma, natural. O que não é bom para eles - preciso salientar - é que sejam menos capazes de buscar soluções conjuntas do que seria necessário num país que consome menos de 2 litros de vinho por pessoa ao ano. Mas essa é outra questão.
Meu ponto é o consumidor, ignorante ou enófilo, viajado ou residente, rico ou pobre que bebe procedência (o país de onde vem o vinho), propaganda e nome de uva. Em geral é esse personagem que profere frases como:  "vinho brasileiro não presta", "o Brasil não tem terroir para produzir vinhos bons", "o Brasil copia mal o que se faz lá fora e vende isso caro", "só bebo se for estrangeiro". E por aí vai. Quem trabalha com vinho (brasileiro ou não) já escutou ao menos uma dessas.
O que está por trás desses comentários é um conjunto de fatores atuais e históricos. Os atuais são que o preço do vinho brasileiro ainda é caro em comparação com os do mercosul (e as raízes disso são políticas e econômicas, e não apenas do Brasil, mas de nossos principais concorrentes cuja produção de vinhos recebe incentivo de seus governantes, na direção oposta do que acontece no Brasil) e que o brasileiro recebe influências deleutérias da globalização e da publicidade estrangeira.
Isso sem contar que muitos brasileiros se sentem superiores ao falar mal do Brasil e bem de outras nações, achando que os produtos que vem dessas nações não são também frutos de bem estruturadas campanhas de marketing e que ele é a parte viva de uma ação que deu certo.
Por outro lado, o produtor brasileiro - muitos deles, infelizmente - parece não acreditar em publicidade séria, em ações contundentes de marketing, em mudanças de posicionamento. Ao agirem assim passam a imagem de que não acreditam que o próprio vinho tenha condição de competir com os outros e isso os atrasa.
Os fatores históricos dizem respeito ao fato de que 'história' no Brasil é matéria 'chata' e corrompida por tudo que não se pode falar ao longo dos anos de repressão, e que tudo que nos valoriza de alguma forma é apresentado no formato do 'bobo alegre' que - no final das contas - perde o mérito pela pobreza da execução.
O brasileiro não sabe (e isso é mais ignorância do que culpa específica) da nova realidade dos vinhos brasileiros. O brasileiro não foi convidado para essa festa regada a espumantes, brancos, rosés e tintos que exaltam nossas qualidades, nosso trabalho, o aprendizado de décadas e gerações, a tecnologia que o mundo todo utiliza e nós também, as pesquisas que seguem sendo feitas em Champagne e em Garibaldi, na Toscana e no Alto São Francisco.
O brasileiro não tem como se orgulhar de uma história que não lhe foi mostrada, de uma realidade não compartilhada. Mas ele poderia - ao menos - ter a humildade de tentar conhecê-la antes de ventilar seus preconceitos, de vociferar suas opiniões unipartidárias.
O mundo do vinho é múltiplo. Sempre. Tem para todos os bolsos, para todos os gostos e para todos os momentos. Quem gosta mesmo de vinhos não tem preconceito, não bebe 'preço', 'procedência' ou uva. Isso vai de encontro à própria natureza da produção, que precisa se curvar aos caprichos do tempo. Uma safra excelente, outra mediana, outra fraca. Se o 'gosto' das pessoas fosse assim "sério", cada vinho 'maravilhoso' feito numa safra ruim nunca mais seria provado. 
É orgulho de ser bobo, é preconceito consigo mesmo, é bullying com quem faz e com quem vende. É vergonha de provar algo novo e ter que engolir a língua por ter falado mal.

É ignorância, e é triste.


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