Há muitos anos um sommelier amigo meu (e muito experiente), que foi meu professor, me falou que eu deveria me dedicar, deveria estudar, mas o que eu mais deveria fazer era degustar, prestando atenção no que estava em minha taça.
Ele me disse que nada subtituia isso, nenhuma viagem, nenhum conhecimento, que isso tudo era complementar à degustação.
Eu sabia que ele estava falando sério. Mas quando você trabalha no salão (como garçon ou sommelier por exemplo) as oportunidades de degustação são bem menores do que parecem para quem está de fora. Até por que muitos proprietários não permitem que seus funcionários provem os vinhos que precisam ajudar a vender. Muito disso tem que mudar (dos dois lados - patrão e empregado) para que a cultura dos bons vinhos ganhe espaço em nossa sociedade. Os proprietários das vinícolas sabem disso, eles sabem que a melhor maneira de conquistar um novo consumidor é fazer um pouco de seu vinho chegar até ele.
No entanto, nos últimos anos atuando como jornalista e professora, eu venho tendo muito mais oportunidades de degustar do que eu mesma imaginava. E agora, finalmente, entendo o que meu professor falava, em profundidade.
O conhecimento de vinhos
precisa de degustação, senão é como aprender a nadar pelo computador ou num simulador. Sem se jogar na água nada acontece, por melhor que seja a teoria.
Na foto ao lado, os rosés de uma recente degustação de vinhos brasileiros, um pouco mais difícil do que deveria ser, mas igualmente importante, pois perceber diferenças e nuances é mais fácil quando os vinhos são diferentes do que quando são parelhos. Isso faz parte do aprendizado de quem quer conhecer vinhos.
No entanto, muita gente pergunta como fazemos para dar nota, muita gente questiona a capacidade do degustador, questiona qual a diferença entre um vinho com 89 e um vinho com 90 pontos. Bem, vai aqui um exemplo claro: quem já ficou de recuperação ou de exame por causa de meio ponto sabe bem qual é a diferença.
Os críticos irão dizer que os critérios de avaliação sensorial são todos subjetivos e eu vou concordar. No entanto, quem degusta muito sabe em uma 'cheirada' e em um gole se está diante de um vinho bom ou de um vinho ruim. As nuances das notas estão no meio disso.
Na verdade, o mais difícil é quando os vinhos são muito parecidos.
Lá na Itália eu tive uma discussão dessas com um produtor de Barbaresco. A minha questão era: um vinho que não é ruim é um vinho bom? Voltando à metáfora das notas escolares, é como se formar tirando sempre a nota sete. Você tem o suficiente para ser um aluno formado, mas você tem o que importa para ser um potencial profissional em qualquer área? Parece-me que não.
Os grandes vinhos sempre se sobressaem nas degustações, mesmo às cegas e mesmo sem você saber nem qual o 'tema' daquela degustação. Surpresas acontecem é claro, mas as notas 50 e as notas 90 são sempre facilmente percebidas.
Tenho que confessar que tenho degustado muitas coisas interessantes e a Itália parece estar no centro das atenções ultimamente (embora nesta semana eu tenha degustado junto com meu colega Eduardo Milan, mais de 40 vinhos tintos brasileiros para o GUIA ADEGA de Vinhos do Brasil). Na foto acima estão os dois brancos e os seis tintos provados com a presença do enólogo da Castellare di Castellina, de duas distintas regiões italianas, a Sicília e a Toscana. Aconteceu na importadora Vinci na semana passada e foi um bom panorama de uvas e subregiões.
Na foto abaixo a degustação de ontem com 18 vinhos da Sicília, vários deles ainda sem importação no Brasil. Um painel excelente das uvas típicas dessa ilha tão característica (a branca Grillo, por exemplo e as tintas Nero D'Avola, Nocera e Nerello Mascallese) e de como vinhos com a mesma uva podem ser distintos em uma mesma ilha.
Hoje houve uma mudança total de rumo, com uma degustação de um vinho Sauvignon Blanc 2008 e quatro vinhos Cabernet Sauvignon do rótulo mais importante da vinícola Santa Rita, o Casa Real. Degustamos na presença da enóloga Cecília Torres - no meu entender ela está entre os cinco enólogos que modificaram a vitivinicultura chilena nos últimos 20 anos - as safras de 2008, 2007, 2004 e 2002.
Vinhos excepcionais, longevos, encorpados, poderosos como o terroir de onde vem.
É assim que se aprende, perguntando ao enólogo, provando os vinhos em suas diferentes safras, percebendo as pequenas nunaces.
Se isso puder ser feito em equipe, como fazemos para a revista ADEGA (foto abaixo com o grupo completo de degustadores) melhor ainda, pois mesmo degustando às cegas temos a chance de trocar impressões, de comentar, de multiplicar o conhecimento e a percepção.
Para os que querem se aventurar nesses campos, no entanto, um aviso: é preciso cuspir muito. Sim, é feio e ninguém deve ser fotografado fazendo isso jamais, mas é a única maneira de 'sobreviver' nesse mundo. Sim, às vezes é cruel fazer isso, mas é possível. E aqui vai meu testemunho: se eu fui capaz de cuspir mais de 500 Barolos e Barbarescos em cinco dias de degustação, qualquer um consegue.
Mas antes de cuspir é preciso dar tempo ao seu cérebro, ao seu nariz e à sua boca para captarem o que existe no vinho, para buscarem as semelhanças, para 'interagirem' com a memória dos outros vinhos que você já degustou.
E assim, com um pouco de estudo e de conhecimento teórico - e quem sabe com um bom professor - você consiga aproveitar ainda mais tudo o que o mundo do vinho pode oferecer!
Um excelente final de semana e bons brindes!