Colheita 2016

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Seja bem-vindo! E que nunca nos falte o pão, o vinho e a saúde e alegria para compartilhar!

sábado, 4 de agosto de 2012

Confraria dos Tolos


Antes de mais nada, nestes tempos de Jogos Olimpícos, uma música dos Beatles no arranjo de Sérgio Mendes e sua banda. Um Brasil perdido na década de 1960, que de muitas formas deixou saudade.
Se quiserem ver a letra, está no seguinte link: the-fool-on-the-hill.html

A Confraria dos Tolos


Os meus leitores mais antigos sabem que - por força de minha profissão - vou a variados eventos de vinho e (agora mais) de comida. Por conta disso, sei que o grupo de especialistas em vinho é menor do que o de especialistas em gastronomia. São (em São Paulo) praticamente as mesmas 20/30 pessoas, sendo que o grupo que realmente interessa para as empresas produtoras, importadoras e para os(as) assessores(as) de imprensa é ainda menor. Bem menor, aliás.
Existem até expedientes usados pelas empresas para conseguir as pessoas que mais interessam. Por exemplo: quando vem algum estrangeiro importante para São Paulo, os "formadores de opinião" mais relevantes para essa empresa são convidados para um almoço ou jantar exclusivo. Dependendo da importância de ambas as partes, pode ser até um jantar apenas para um determinado veículo, mas se houver pouco tempo estarão à mesa só quem mais interessa, mesmo que de vários veículos.
O evento 'alternativo' é para onde são chamadas as outras pessoas. Importantes sim, mas não tanto a ponto de receberem atenção exclusiva.
Mas não termina aí: todos esses, embora divididos entre o grupo e o evento íntimo, ainda estão na primeira lista. 
Existe também a segunda lista, aquele convite que chega apenas alguns dias antes do evento, quando a empresa percebe que muitas pessoas não podem vir, e acaba chamando aqueles que 'sempre' vem, pois são os 'boca de espera' como se costuma dizer em minha família.
É cruel estar na segunda lista, mas acho que muitos nem percebem ou fazem que não percebem pois - no final das contas - foram chamados e estarão lá, bebendo e comendo bem ao lado de alguém importante do meio.
Estou contando isso pois muita gente acha que essa vida é de glamour, de brindes agradáveis, de trocas simpáticas e de galanteios, quando a realidade está bem longe disso.
Se, e isso acontece com bastante frequência, formos a um evento por dia em um semana inteira, não raro nos depararemos sempre com as mesmas pessoas, ou como eu os chamo "os suspeitos usuais".
É claro que, infelizmente, já me tornei um deles, mesmo fazendo o possível para selecionar os eventos com o máximo rigor.
De certa forma entendo o ponto de vista das empresas e de seus assessores: apresentar um produto para o maior número possível de veículos e de formadores de opinião, no menor tempo exequível para otimizar a presença de um produtor ou o gasto com um evento ou um chef de cozinha. Faz todo o sentido e eu, no lugar deles, faria o mesmo.
As listas é que matam, além da cara de enfado e/ou os sorrisos forçados de alguns assessores, que tiram parte do que poderia ser divertido no evento. Afinal, eles não estão ganhando para fazer aquilo? Não escolheram convidar fulano, sicrano e beltrano pois eles são importantes para o cliente que está lhe pagando? Então, precisam mudar de atitude, urgentemente.
Felizmente eu tenho sorte, tenho em meu pequeno círculo de amigos algumas assessoras que valem a pena, que correm atrás, que compartilham, que são 'pró' e não contra. Mas não são todos assim, claro.
Sorrisos Tortos
Nesses eventos, mesmo sendo sempre as mesmas pessoas, nada garante que você vá encontrar o pequeno (esse para mim é quase mínimo) grupo de pessoas com as quais vale mesmo a pena compartilhar uma mesa.
Não raro terá que aturar a presença de gente que representa tudo aquilo que você detesta: ostentação, ironia, arrogância e até um certo desprezo exatamente por aquilo que está sendo apresentado no momento.
Começa por aquele que chega sem saber se o evento é do Chile, da Argentina, da Zâmbia ou de geléias belgas. Geralmente, é alguém que foi enviado para cobrir a lacuna de outro que não pode estar presente. Na pressa, nem se deu ao trabalho de ler o convite para saber do que se tratava.
Outro personagem desagradável é aquele que, apesar de ser do meio, não faz 'a lição de casa', quer dizer, chega perguntando obviedades e coisas que alguém que quer 'estar no grupo' dos especialistas não deveria perguntar. Ele é tão desagradável como o sabe-tudo, aquele que já bebeu, já comeu, já viajou, já dormiu com a filha do dono da empresa em questão.
Mas em um dos eventos que fui recentemente, acabei por me sentar perto de um dos desagradáveis mais arrogantes que conheço neste meio. A pérola do dia foi: "Eu bem que tentei tomar vinhos baratos, mas cheguei à conclusão de que qualquer coisa que custe menos de 80 reais é porcaria".
Fiquei tão boquiaberta que mal consegui olhar para a cara do sujeito durante o restante do evento que, claro, azedou para mim dali em diante.


Todos nós nos comportamos tolamente uma vez ou outra. Ninguém nasceu sabendo, nem precisa saber de tudo. Muito menos estamos imunes aos eventos de nossa vida diária, que podem nos desconcertar por algum tempo - e isso não escolhe hora para acontecer. 
Daí que me vem à cabeça um monte de coisas que - pensando com calma - talvez façam de mim também um pouco da tola que eu não desejo ser. Coisas do tipo: "não julgar os outros para não sermos julgados", "não atirar a primeira pedra" e por aí vai. Mas também lembro-me de uma frase muito lapidar  que diz assim: "Não sai da boca o que não está no coração", que, no mundo dos bebedores se traduz para: "Não se fala bêbado aquilo que não se pensou sóbrio".
Sei que são variados lugares comuns, mas que têm ocupado um bom espaço em minha cabeça nos últimos dias, pois o comportamento dessa pessoa nefasta que encontrei é, infelizmente, mais comum do que parece. 
Ele, se é que serve de consolo, teve a coragem de colocar em palavras aquilo que está na cabeça (e no coração) de muita gente nesse mundo do vinho.
Sei o pensamento de quem ele representa, também. E sei que - como já disse aqui mais de uma vez - nesse mundo não existem mocinhas inocentes. São todas cobras criadas.
No entanto, me fica a questão: por que existe alguém que quer essas pessoas entre seus 'formadores de opinião'? Por que essas pessoas continuam sendo convidadas, reverenciadas, e muitas vezes pagas para escrever para eles, para apresentar ou degustar seus produtos?
De certa forma prefiro os tolos conhecidos, os bufões, os que falam demais, aqueles que não se escondem por detrás de ninguém, doa a quem doer; do que esse tipo de gente que fala baixo, que espalha a discórdia, que semeia a tempestade.
Tenho defeitos, tenho vários. E estou dolorosamente ciente da maior parte deles. Mas não sou cínica. Não me sento numa cadeira para a qual fui convidada para desrespeitar meu anfitrião à boca pequena, nem para semear a discórdia entre meus pares com palavras arrogantes. E não entendo o por que de ainda haver espaço para essa gente pútrida.
Há tanto trabalho a fazer para comunicar bem, para que as pessoas comam e bebam com mais qualidade, com mais respeito pelo trabalho do produtor, pela terra de onde se origina o produto, para que essa comida e essa bebida, sejam alegria, nutrição e bem estar e não apenas um interesse econômico (apesar de não desmerecê-lo como atividade que sustenta famílias e cidades também). 
Quem sabe, como me disseram alguns amigos, haja alguma esperança de que essas maçãs podres deixem - com o tempo - de ocupar nossas fruteiras. Não sei.
Hoje não tem brinde alcoólico...vou beber água (que também é bom!).







Um comentário:

  1. Sílvia, é uma postura lamentável, e mais comum do que poderíamos suportar. Brilhante reflexão!

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