Colheita 2016

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terça-feira, 6 de março de 2012

Repensando o 'sucesso'

Volto a falar da comercialização de vinhos finos para tocar no assunto dos nossos espumantes. Produto que adoramos pensar que é o nosso maior sucesso e o carro-chefe dos vinhos brasileiros. Mas ao que parece o enredo desse samba não é bem assim.
A informação oficial passada pelo Ibravin é a seguinte:
"A comercialização de vinhos espumantes elaborados no Rio Grande do Sul cresceu 4,7% em 2011, na comparação com 2010. Foram colocados no mercado 13,2 milhões de litros de espumantes de janeiro a dezembro, ante 12,6 milhões de litros em 2010. “É o maior volume da história em relação à venda de espumantes, rompendo a barreira dos 13 milhões de litros”, comemora Alceu Dalle Molle, presidente do Conselho Deliberativo do Ibravin. O volume é 40,5% superior a média de comercialização de 2005 a 2010."
O que esses números dão a entender (de negativo) é que a comercialização de espumantes em 2011 corresponde a pouco mais de 5% do volume de vendas de vinhos brasileiros (finos e de mesa) do ano, que foi de quase 250 milhões de litros.
Ou seja, quando eu escuto muita gente dizendo que a estatística que afirma que cada brasileiro bebe por ano menos de 2 litros de vinho é errônea, vou ter que me lembrar de colocar esses números na mesa. É uma conta simples, dividir esses 250 milhões pelo número de brasileiros em idade legal para consumir bebida alcoólica. Dá menos de dois litros (e isso contando vinhos finos e de mesa).
Para ter esse número mais preciso (e que ainda fica abaixo dos dois litros) devemos levar em consideração o volume de vendas dos importados, um número difícil de estabelecer com precisão.
Conclusão: estamos bebendo mal. E eu nem diria que estamos bebendo pouco, pois a bebida nacional não é o vinho, é a cerveja pelo volume e a cachaça pela tradição. E, acredito, uma das razões para estarmos bebendo pouco é bebermos mal.
Vinho de mesa (por mais bem feito que seja - e alguns são) não é lá grande coisa. Não tem as nuances e nem a delicadeza de paladar dos bons vinhos finos.
Muitos dos vinhos importados que chegam ao país (muitos mesmo, e não me importa que o pelotão da fiscalização dos vinhos 'caros' venha gritar que não é isso) são vinhos de baixo valor, ou seja, lambruscos ordinários, "reservados" para brasileiros que bebem procedência e não qualidade, e uma porção de outras porcarias.
Daí que o vinho espumante brasileiro (escolhi como exemplo pois tem preço e qualidade para ser competitivo) fica com esses mirrados 5% num mar de vinho ruim, como se estivéssemos bebendo água parada pós-tsunami.
É claro que quem bebe 'bem' tem dificuldade para perceber essa realidade, mas espero muito que as autoridades do setor estejam conscientes disso - além daquilo que já vem fazendo, como a iniciativa de ter camarotes no Carnaval com espumantes, vender taças deles com preços bem 'possíveis' nas arquibancadas da festa e nas praias no verão (iniciativa essa da Miolo).
No entanto, temos fugido de uma discussão que eu mesma - agora preciso confessar - achei que poderia ser protelada por mais tempo mas que agora vejo que é urgente: nossos espumantes têm coração, mas não tem cara. E ainda que o ditado seja válido (que quem vê cara não vê coração), se já temos o mais difícil - que é um bom produto - por que ainda não temos um produto com a nossa cara?
Eu, na maioria das vezes, não gosto de falar sobre outros críticos de vinhos. Não é por que eu os ache sem mérito ou por me achar melhor do que eles, mas simplesmente por saber que uma prova única de um vinho nunca dirá tudo o que ele pode contar, ainda mais se ela vier acompanhada das ideias pré-concebidas (e são muitas) que vivem no cérebro dos degustadores.
No entanto, existe quase que uma unanimidade entre os degustadores estrangeiros que provam nossos espumantes, a de que eles são muito bons - e alguns deles são excelentes - e a pergunta que acompanha essa constatação é: "mas qual é cara, qual é o nome do espumante brasileiro"?
Todos os enófilos, jornalistas especializados e enólogos que se relacionam com os estrangeiros já escutaram essa pergunta, para a qual as respostas são insuficientes. Passam pelo "frescor", "juventude", "alegria" etc, uma série de generalidades.
Não é isso que eles estão perguntando. E não é isso (apenas) que precisamos estabelecer para que esse produto (fácil, alegre, fresco) tenha a cara do Brasil e nos represente onde quer que estejamos.
Aqui vai um parêntese: espumante na região de Champagne na França, feito pelas regras rígidas de produção é Champagne. No restante da França é conhecido por outras denominações de acordo com o local e o estilo de produção, sob o nome crémant. 
Na Itália existem, é claro, os Lambruscos e Proseccos, embora Lambrusco seja uma uva tinta do norte do país e Prosecco seja hoje uma denominação legal do Vêneto, para vinhos DO feitos com a uva Glera. No mesmo país existem ainda os spumanti elegantes da região da Franciacorta (conhecidos com esse nome) e os Asti (também uma região produtora e DO).
Na Alemanha os espumantes são conhecidos como Sekt e na Espanha (aqueles produzidos segundo regras de DO também) recebem o nome de Cava.
O que eu quero dizer com tudo isso, e que responderia uma parte da pergunta dos estrangeiros e talvez nos auxiliasse a divulgar nosso produto é: qual é o nome do espumante no Brasil? Quais são suas principais características (uvas autorizadas, estilos), como ele deve ser produzido para ser "um" em meio a tantos?
Iniciei essa discussão com um amigo enólogo e pesquisador e por conta de algumas coisas que ele me falou e dos dados que recebi na semana passada, resolvi tornar pública essa conversa na forma desta postagem.
É claro que algumas coisas foram feitas no sentido de buscar uma identidade para nossos espumantes. Elas se materializam na forma da taça oficial do espumante brasileiro (como vocês podem ver na foto ao lado), na iniciativa como a dos produtores da cidade de Garibaldi, unidos em um consórcio que tem a consultoria de um orgão oficial de Champagne, para melhorar processos de produção, com as pesquisas e adequações da Embrapa que culminaram na Indicação de Procedência de Pinto Bandeira (região da serra da qual vem nossos mais elegantes espumantes) e na DO do Vale dos Vinhedos, entre outras ainda em andamento.
Mas é pouco. É pouco por que nossos amigos (e muita gente da imprensa graúda) ainda chamam os espumantes de "Champagne" ou "prosequinho". É pouco pois precisamos definir o que é esse produto, quais são seus limites (por exemplo, pode-se fazer espumante com qualquer uva aqui no país, mas deve-se fazê-lo? ou cada uva resulta num estilo e cada estilo é representativo de uma região/terroir?).
Agradeço ao meu amigo por ter me tirado do marasmo filosófico, pois essa questão estava no fundo de minha cabeça desde que estive no RS para o Concurso Brasileiro do Espumante, em outubro passado.
Mas como o assunto era delicado até para pensar, arquivei na pasta do 'quando tiver tempo' e não abri mais.
Nessa viagem visitei realidades diferentes dos espumantes nacionais e através delas vi como o produto precisa ser repensado e colocado dentro de parâmetros que nos permitam divulgá-lo e defendê-lo (se necessário). Visitei a Chandon pela segunda vez, mas foi a primeira com a presença do enólogo chefe Phillipe Mevel (foto abaixo).

É uma empresa poderosa, que tem o enorme mérito de fazer ano após ano um produto de qualidade com preço competitivo, beneficiando-se do poder da marca francesa (estão entendo onde quero chegar?). Mas é uma indústria, onde sempre ficamos com a impressão de que o terroir brasileiro é "apenas" conveniente para o negócio deles. Ninguém pode negar que a Chandon é o nascedouro de muitos dos grandes enólogos brasileiros e de um padrão copiado (e almejado) por tantos. Ponto para eles, mas não é a cara do Brasil.


O projeto da Domno (que não aparece nas fotos aqui), talvez seja mais a cara do Brasil, embora tenha sido criado 'do outro lado da rua da Chandon' e com a mesma busca por fazer um produto onde qualidade e preço estejam em harmonia e que tenha volume. Ponto para a família Valduga, dona do empreendimento. E eu acredito que mesmo com todo o poder conquistado nos últimos anos, os Valduga não fugiriam de uma mesa de discussão sobre a cara do espumante brasileiro.
Nas fotos acima aparecem alguns dos artesãos de nossos espumantes, atrás dos pupitres está Dall'Agnol  do Estrelas do Brasil e na foto abaixo os enólogos Luciano Vian (da Don Giovanni) e Christian Bernardi (da Winepark). Os três (entre outros tantos que deveriam aparecer aqui) trabalham com excelência e enfrentam muitos desafios nessa busca, mas são incansáveis e eu creio que seus espumantes necessitam do "poder" que uma marca forte e bem definida dá a um produto, facilitando a sua comercialização.
Como vamos fazer isso? Quando vamos fazer isso? Quem será chamado para a mesa de discussão?
Essas perguntas ficam no ar com uma resposta indigesta: 5%.
Eu gostaria de participar dessas discussões, mas gostaria principalmente de ver o setor unido por alguma coisa que muitos deles têm em comum - os bons espumantes - ao invés de discussões em torno de selo, de salvaguarda, de importados versus nacionais, de vinhos de mesa versus vinhos finos.
Temos um produto bom, que o público (mesmo que não consuma tanto) tem a percepção de que é bom, que os críticos louvam e querem saber mais, que tem valor agregado e pode ser feito em variados terroirs, assim, por que não estamos investindo uma parte considerável de nossos esforços para fazer dele a cara do Brasil?
É minha pergunta, de coração.


Um comentário:

  1. Querida amiga:PARABÉNS!
    Concordo com tudo o que disse, não me restando mais nada do que agradecer pelo desenrolar do novêlo.
    Beijos de luz

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