Colheita 2016

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quinta-feira, 12 de abril de 2012

Um passeio na ladeira da memória...

Em inglês esse título me soa melhor "A trip down in memory lane".
Mas em qualquer das duas línguas, foi isso mesmo o que aconteceu ontem, uma viagem pela ladeira da memória.
Como já havia dito aqui, fui para Campinas (pouco menos de 100km de distância de São Paulo, e uma das maiores cidades do Brasil) para apresentar o Seminário dos Vinhos Verdes.
Foram três apresentações em dois dias, trabalhando ao lado de duas equipes excelentes, a do SENAC e a do hotel Palm Plaza Residence (como vocês podem ver na foto abaixo). Na ponta esquerda o sommelier e chefe de A&B do hotel, Luciano, um craque apaixonado pelo que faz! Bom trabalhar com gente assim, bem como as meninas da equipe do SENAC, proativas e sempre sorridentes, sem tempo ruim!



Como entre a primeira palestra e a segunda eu tive a manhã e o almoço livres, resolvi dar um passeio.
Campinas é, para mim, uma cidade cheia de memórias especiais, pricipalmente relacionadas com a minha infância e juventude.
Minha mãe trabalhava na cidade quando eu era criança e viajava todos os dias. Volta e meia eu ia com ela, conhecendo a cidade aos poucos, indo almoçar onde o 'pessoal do escritório' ia almoçar.
Mais tarde, uma parte de minha família se mudou para lá e começamos a ir visitá-los e, quando eu me tornei adolescente (minha mãe já havia voltado a trabalhar em SP) eu viajava sozinha na 6a feira, passava o final de semana com meus primos e voltava na tarde de domingo. As primeiras baladas, os primeiros namoradinhos, foram todos por lá.
Depois disso fiquei muitos anos sem ir para Campinas com frequência e só retornei para fazer a pós-graduação na PUCC e acabei ficando para dar aula por lá por mais um ano.
Mas sempre, guardado num lugar muito especial em minha memória, estavam dois restaurantes no centro da cidade, aos quais minha mãe me levava nos anos 1970. Por isso que me emocionei para valer quando - ao fazer uma pesquisa na internet - descobri que eles ainda existiam e que (não existem coincidências) ficavam perto do local das palestras.
Foi assim que, na manhã de céu azul e sol intenso de ontem, saí pelas ruas estreitas que levavam do hotel onde eu estava hospedada até os dois restaurantes.
No caminho, chamou a minha atenção o casarão da foto abaixo, um restaurante chinês chamado Hong Kong. Embora pareça charmoso assim visto de longe, de perto o casarão antigo e elegante merecia um cuidado maior, infelizmente.
Algumas travessas depois, cheguei até a rua Luzitana (assim mesmo, com 'z') que - no trecho do restaurante - é bastante estreita. Parei do outro lado da rua e fiz a foto abaixo, da "Cantina Alemã", com sua fachada exatamente igual ao que eu me lembrava.
Peguei o telefone e liguei para minha mãe para dizer onde eu estava.
Como ainda era um pouco cedo, decidi não entrar e segui para o outro restaurante do qual me lembrava, a menos de dois quarteirões desse, na rua Conceição.
Em minha memória, o bar do Faca era pouco mais do que um empório que passou a servir lanches e refeições rápidas, naqueles anos de 1970 e alguma coisa.
Lembro-me de nos sentarmos em bancos largos de madeira, em frente de mesas que  pareciam quase improvisadas num salão um pouco escuro e de pedirmos os sanduíches mais frescos e saborosos que já vi. Copa, salame, queijos, tomates em fatias finas, tudo bem arrumado e gostoso, num ambiente despojado.

Mas se a fachada ainda guarda alguma semelhança com o passado, o interior mudou muito. Vendido há seis anos pelos primeiros donos, o bar foi reformado para o modelo 'genérico' de boteco carioca, com paredes de azulejo xadrez e garçons de jaleco de mangas curtas.
Não posso dizer se os bons sanduíches ainda existem, pois não me animei a ficar por lá, mas a casa já estava movimentada.
Assim, depois de mais uma caminhada pelas praças arborizadas com altas palmeiras reais ali no centro, retornei para a 'Cantina Alemã'.
Alguém percebe a ironia disso? "Cantina", "Alemã", na rua "Luzitana"...
Mas vamos lá, empurrei a porta e o passado tomou conta de mim, até mesmo a estranheza de estar olhando aquele ambiente do 'alto' de meus 1,80m, que eu obviamente não tinha nos anos 1970...
 Sentei-me perto da porta e comecei a observar os detalhes, as luminárias de madeira, os pratos nas paredes também revestidas de madeira, a porta transversal com as janelas que iluminam o interior estreito e longo, as toalhas verdes de um xadrez de cantina, a antiga máquina registradora e a barriquinha que abriga a serpentina do chopp.
Ao atravessar aquela porta eu viajei de volta para o passado, como se há apenas alguns dias eu tivesse estado lá.
Eu não sou tão nostálgica quanto parece algumas vezes, mas nesse caso fui capaz de perceber o que aquele entorno provocava em mim: a lembrança de tempos que - para uma criança - pareciam perfeitos. A família, o passeio, a boa comida, o aconchego de um lugar que já me falava de terras distantes e de muitas novidades.
E tudo isso, até hoje, faz parte de quem eu sou. Era impossível saber, naqueles dias, que restaurantes, bebidas, comidas, lugares e pessoas diferentes seriam o meu combustível para a vida. Tanto a estrada quando o destino que me dariam o sustento e o prazer na vida adulta.
A Cantina Alemã não é mais dos mesmos donos, mas aqui há uma diferença enorme. Fundada em 1964, ela foi vendida em 1986 para um de seus funcionários que - naquele tempo - já trabalhava na casa há 13 anos. E ele decidiu que tudo permaneceria igual. Assim ele, sua esposa e seu filho administram o restaurante há quase três décadas e, agora posso dizer isso: com a mesma qualidade e simpatia da qual eu me lembrava.
A temperatura externa de 32 graus me fez pedir um chopp, que veio acompanhado de uma pequena porção de uma salada de batatas frescas e bem temperada e de alguns pedaços de salsicha de verdade, não genérica, além de mostarda amarela e escura, de bom sabor e cremosidade.
Durante o almoço há a possibilidade de se pedir do cardápio executivo, onde as porções são menores e o preço também. Eu escolhi o goulasch, que veio acompanhado de purê de batatas, repolho roxo agridoce com zimbro e arroz branco. Delicioso e do tamanho exato da fome.
Conversando com os donos, pude perceber uma parte daquilo que faz uma casa ser tão longeva como essa: dedicação diária, atenção com a qualidade e uma certa despreocupação em querer ser mais do que é, apoiada na certeza de que muitas pessoas, assim como eu, se sentem confortadas ao entrarem em um lugar despretencioso (no bom sentido) e que nos alimenta o corpo e a memória.
Foi um passeio e tanto, que pretendo repetir muito em breve, agradecida por descobrir que em meio a tantas e tantas mudanças pelas quais a vida nos obriga a passar, uma parte minha sobrevive criança e feliz, dentro da Cantina Alemã de Campinas.


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