Não passa uma semana sem que alguém me pergunte se sou enóloga (não sou). A confusão é tão comum que até a revista VEJA já apresentou como enólogo quem não é, em sua edição eletrônica. Pega mal para um veículo tão importante que as pessoas não chequem as informações antes de divulgá-las.
Mas, vamos começar pequeno e tentar explicar aqui, pois ninguém nasce sabendo. Em um país que consome pouco vinho como o nosso, mas cujo interesse vem escalando nos últimos anos, informação de qualidade vale ouro e diferencia quem é sério de quem não é.
Enólogo é, no Brasil e em alguns outros países que seguem a mesma legislação da OIV - Organização Internacional da Uva e do Vinho - o profissional com curso superior específico que é o responsável técnico pelos vinhos que faz. E 'fazer' o vinho significa muitas coisas: 1- orientar e discutir junto ao agrônomo ou viticultor como a parreira deve ser plantada, conduzida, podada e tratada, 2- decidir o momento da colheita das uvas, 3- orientar a seleção delas para a cantina e todos os processos daí em diante, incluindo maceração, fermentação, filtragem etc, 4- fazer os cortes (assemblages) dos vinhos, 5- pesquisar, conhecer e avaliar os componentes bioquímicos de cada produto, 6- atuar nas áreas de turismo ou marketing recebendo e orientando clientes, imprensa e fornecedores, 7- ser responsável pelo cumprimento da legislação local e internacional (em casos de exportação) e colocar seu número de registro no Conselho Regional de Química em cada garrafa. Isso entre tantas outras atribuições importantes que acontecem em meio a todo esse processo, seja na vinícola ou fora dela. O Brasil tem, inclusive, uma Associação Brasileira de Enologia (ABE) em Bento Gonçalves (RS) que existe há quase 40 anos, presidida por Christian Bernardi (enólogo da Tecnovin/Winepark) e que reúne mais de 350 profissionais.
Portanto, poucas pessoas no Brasil podem ser chamadas de enólogos, certificados, registrados e, principalmente, atuantes (nas fotos abaixo dois enólogos de verdade! Adriano Miolo em roupas de cantina e Edegar Scotergagna (Vinícola Luiz Argenta).
Enófilo é a pessoa que não somente gosta de beber vinhos como estuda o assunto, se aprofunda em cursos e visitas nacionais e internacionais e, em muitos casos, escreve livros, apresenta palestras, dá cursos de degustação. Mas ainda assim não FAZ vinhos, embora conheça profundamente sobre eles.
Existe um grande número de enófilos que atuam como se fossem jornalistas, escrevendo sobre vinhos em publicações especializadas ou não e assim ficam conhecidos no mercado. Na foto abaixo estão dois enófilos brasileiros, atuantes, conhecedores e participativos (e principalmente a meu ver sem preconceitos com relação aos vinhos brasileiros), à esquerda Renato Frascino e o último homem à direita é Didú Russo, entre eles há somente uma enóloga, a morena alta quase no meio da foto, Gabriela Jornada da Miolo que atua no marketing da empresa, e os outros são jornalistas especializados e administradores do mundo do vinho (entre eles o CEO da Miolo).
Sommelier é o profissional encarregado do serviço do vinho, da harmonização entre alimentos e bebidas, da composição das cartas em restaurantes, do atendimento direto ao cliente em bares e hotéis, do controle de adegas e lojas.
Aqui é onde mora a maior confusão. Originalmente o sommelier é o 'garçon de vinhos', não necessariamente um enófilo (mas em geral sim, pois esse tipo de especialização requer que se tenha afinidade com o produto) e mais raramente um enólogo.
Para o sommelier de verdade sobra muito do 'trabalho pesado', isto é: limpar e cuidar das taças, zelar pela conservação e temperatura dos variados tipos de vinhos, carregar caixas, treinar a brigada do restaurante, organizar a adega, controlar preços e a entrada e saída de mercadorias em estoque.
Então, sobra pouco tempo para o trabalho mais delicado, que é o de provar os vinhos, buscar as harmonizações ideais com cada cardápio, fazer um bom serviço de vinhos na mesa do cliente conhecendo as suas preferências (e o seu bolso) e menos tempo ainda para viagens técnicas, passeios, confrarias e aulas.
Daí que fica estranho como uma porção de gente que jamais carregou uma caixa de vinhos na vida, para organizar uma adega, ou passou horas tirando batom de taças, quer se apresentar como sommelier.
Um dos motivos, acredito, é que a profissão não é regulamentada aqui (**), e como o mundo dos vinhos é razoavelmente novo neste país, uma das poucas opções de estudo para os enófilos de antanho eram os cursos livres de sommelier. Óbvio que isso precisa mudar, com urgência.
Na foto abaixo um sommelier de verdade, mezzo paulistano mezzo gaúcho Vinícius Santiago, da Salton.
(**) atualiazação: em julho de 2011 foi aprovada a regulamentação da profissão de sommelier, mas ainda não existem as definições corretas para ela.
Outros nomes que são sommeliers de verdade (que já suportaram chatices várias de chefs de cozinha, clientes, vendedores etc e que passaram noites de sábado abrindo garrafas e explicando os vinhos) são Manoel Beato (o responsável por colocar o nome dos sommeliers na mídia, com seu trabalho incansável no Fasano), Eliana Araújo, Carina Cooper, André Cavalcante, Tiago Locatelli, Deise Novakoski, Alexandra Corvo, Dionísio Chaves entre tantos outros que tentam combinar conhecimento com trabalho árduo.
O quarto mosqueteiro: no Brasil existem os técnicos em enologia, que são formados no ensino médio da escolas especializadas. A grande maioria deles segue para o curso superior, outros vão estudar na Argentina, no Chile, na França etc. Hoje em dia são encarregados de boa parte do trabalho do dia-a-dia dentro de uma cantina. Enlouquecem durante a colheita, carregando caixas, selecionando uvas, cuidando de processos produtivos importantes, sob a supervisão de um enólogo. Alguns deles vão para as áreas comerciais, onde podem utilizar seus conhecimentos de vitivinicultura e trabalhar na venda e no marketing do vinho. Na foto abaixo, técnicos da Miolo recebem uvas na época da colheita.
Por último, mas não menos importante, falta ressaltar a presença de engenheiros químicos e agrônomos, que vieram a se especializar em enologia em cursos de mestrado e doutorado (muitos deles antes do curso superior em enologia existir no Brasil). Vários deles trabalham como enólogos nas vinícolas, mas um número significativo atua na pesquisa científica. Na foto abaixo estão três deles, da Embrapa Uva e Vinho: Celito Guerra, Mauro Zanus e Irineo Dall'Agnol.
Enfim, espero que esta longa postagem auxilie àqueles que ainda tinham dúvidas sobre 'quem é quem' nesse mundo do vinho.
Bons goles de um bom vinho brasileiro feito por um enólogo, servido por um sommelier e degustado por um apreciador.
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