Nesta semana lotada de atividades e de trabalho e com uma viagem programada para a próxima sexta-feira, desfrutei de um almoço super-gostoso com minha mãe na casa de minha prima Giselle.
Ela me falou que anda procurando livros com receitas caseiras e tradicionais da Itália, especialmente das regiões banhadas pelo mar Mediterrâneo.
Lembrei-me, então, que na loucura de voltar ao Brasil e dar conta do trabalho, esqueci de contar para vocês sobre a Casa Artusi.
Na pequena cidade de Forlimpopoli (que nome, não?), entre as cidade de Faenza e Rimini, em direção ao sul da Emilia-Romagna, fica a Casa Artusi, um centro de cultura gastronômica dedicado a culinária doméstica italiana.
www.casartusi.it
Nas fotos abaixo aparecem a rua onde fica a Casa Artusi (no fundo à esquerda um muro com arcos) e as duas 'Silvias', eu e a assessora de imprensa italiana que nos levou para conhecer esse projeto, como parte da experiência sobre a região, caminhando em direção ao centro.
A Casa Artusi foi criada com o nome de Pellegrino Artusi, um literato e gastrônomo muito importante na região, que faleceu em 1911, e escreveu os manuais: A Ciência na Cozinha e A arte de Comer Bem. São 790 receitas selecionadas entre tudo o que existe de mais típico na culinária caseira italiana, testadas e aprovadas por anos a fio por ele e sua equipe.
Hoje a Casa Artusi é um complexo que ocupa o que outrora foi uma parte da Chiesa dei Servi (na foto abaixo uma das salas para palestras, que ocupa a antiga nave central da igreja).
E abriga um museu super moderno, onde as receitas estão escritas em painéis luminosos que acendem com um toque dos pés (foto abaixo da receita do risoto a milanesa), biblioteca de livros de gastronomia italianos (segunda foto abaixo) e de livros raros de gastronomia...
...um restaurante (voltarei a isso depois), uma cantina e salas de aula. Mas não salas de aula para formar chefs de cozinha e sim para as pessoas em geral que desejam (como minha prima por exemplo) aprender as receitas caseiras e pôr as mãos na massa.
São salas super modernas, de deixar boquiaberto qualquer gourmet que se preze, mas coordenas pela 'Associazione delle Mariette', as 'Dna. Maria' de lá, ou seja, as pessoas que de verdade, cozinham. Elas são voluntárias e estão lá ensinando as técnicas, os segredos e as tradições dessa culinária.
Nós tivemos o privilégio de sermos recebidos, no final do sábado, por uma das mais experientes 'Mariettes' da Casa Artusi, que preparou na nossa frente a Piadina Romagnola, um pão que não vai ao forno (é preparado sobre o fogo) mas que é companhia obrigatória de todas as refeições e cujo preparo é simples, mas depende de ingredientes que os italianos ainda tratam com mais respeito do que a gente (como a sêmola de trigo e a gordura de porco).
Na foto acima o prato que nos foi servido logo após o preparo com todas as explicações. A Piadina está quase no meio do prato e depois dela no sentido horário estão as pequenas cebolas (scalogno) em conserva, salame romagnolo, presunto defumado, queijo squaquerone e ricota fresca. No centro uma compota de frutas secas e nozes. Eu, que não gosto de queijos, preciso confessar que esses dois eram espetaculares. A ricota, especialmente pois é um dos que temos aqui, era de uma delicadeza e leveza sem igual, principalmente por não ter aquele desagradável cheiro de estábulo.
Acompanhamos tudo com vinho branco da uva Albana, típica da região.
No dia seguinte, após visitas a vinhedos, retornamos para a Casa Artusi para um almoço em seu restaurante. Imaginem que era domingo, meio-dia. O local estava bastante cheio, com a cozinha central funcionando a todo o vapor, mas para nosso grupo foi resevada uma sala, onde duas garçonetes nos atendiam o tempo todo.
A refeição foi enorme, bem ao estilo dos italianos quando querem impressionar, e conseguiram.
Começamos com uma 'Minestra del benvenuto', uma rica e quente sopa de grãos e vegetais (abaixo).
Depois um 'Sformato di cardoni su fonduta di parmigiano reggiano DOP', um enformado de pequenas alcachofras, típicas do final do inverno, servidas sobre um creme de queijo parmesão DOP. Sabem o que é DOP? Significa a denominação de origem desse parmesão, é como dizer que esse é de verdade!
No canto do prato está a Piadina, onipresente e o saleiro atrás é de mais uma das denominações de origem da região, uma enorme beneficiadora de sal, da cidade de Cervia, no mar Adriático. Esse prato foi seguido de uma sopa de cappelletti chamado de 'all'uso di Romagna', que significa que é o tradicional da região. Coloco mais de uma foto para vocês verem o que é um serviço de sala realmente bacana. A linda sopeira ia depois para o centro da mesa, para quem quisesse mais.
Havia também uma seleção de azeites de oliva extra-virgem, para quem desejasse degustá-los. Escolhi um da região, que também tem sua DOP de azeites.
O prato salgado final eu fotografei mas não comi todo. Era um medalhão de vitela dos apeninos com creme de manjericão e pinolis, acompanhado de verduras e batata. Eu não como carne de vitela, mas não posso negar que o prato era lindo.
Com os últimos dois pratos provamos um tinto da uva Sangiovese di Romagna, um DOC Superiore muito agradável. E para finalizar uma sobremesa que era tão linda como boa:
"Tortino al fondente con bigné allo zabaione", uma espécie de petit gateau, mas muito mais suave e com acompanhamentos delicados.
A verdade é que fui para a Itália para conhecer melhor os vinhos da uva Sangiovese di Romagna, como na foto acima, mas quem aprecia vinhos de verdade sabe que uma experiência sensorial completa não está desvinculada da gastronomia, do ambiente, da companhia, enfim, do momentum.
E conhecer a Casa Artusi foi uma somatória de boas experiências, singelas em conteúdo, mas surpreendentes na forma. Como é quase tudo aquilo que realmente vale a pena.
Bons goles e até mais!