O Brasil, de pobreza extravagante (digo isso pois assistir aos desfiles das escolas de samba e depois dar uma voltinha por quaisquer avenidas das grandes cidades brasileiras, nos revela um contraste espantoso), vem buscando seu espaço no mundo do vinho em todas as frentes possíveis, como produtor, como consumidor, como distribuidor e, por fim, como 'atravessador' do vinho (nesse último caso estão os garçons, sommeliers e maitres).
Esse espaço no exterior significa uma enorme dedicação, muito estudo e muita humildade, mas com a contrapartida de salários dignos e apreciação dos públicos (tanto o cliente quanto o produtor).
No Brasil, a enorme maioria dos sommeliers profissionais - e aqui faço a distinção entre os que querem realmente trabalhar "à serviço e no serviço" do vinho e aqueles que só querem ter o título para dizerem que sabem mais de vinhos do que as outras pessoas - vivem uma realidade absurda. Recebem baixos salários, são muitas vezes impedidos de degustarem os próprios vinhos que devem ajudar a comercializar, não tem tempo de estudo e muito menos condições financeiras de comprar vinhos diferentes e livros apropriados, e ainda por cima - quando conseguem ultrapassar tudo isso, são tratados com completo desdêm pela grande maioria dos consumidores e por vezes até por seus chefes.
Nos meus primeiros dias de viagem na Itália eu estava na cidade de Faenza, aquela famosa pela cerâmica, e pude apreciar o trabalho dos sommeliers italianos em várias ocasiões, fosse fazendo o serviço de alguns vinhos durante um almoço informal no hotel (foto acima) - no qual estavam presentes os jornalistas internacionais - fosse em uma enoteca (foto abaixo - o sommelier está atrás do balcão), apresentando e explicando três vinhos selecionandos para uma degustação e depois na ocasião mais formal de todas - durante o evento Vini ad Arte, onde em uma sala específica um grupo de 6 sommeliers trabalhavam assistindo aos degustadores que tinham mais de 50 vinhos para provar.
Os profissionais que me atenderam nessa região são filiados da AIS (Associazione Italiana Sommeliers) que tem mais de 30.000 sócios no país e quase 2.000 somente na região que eu estava, a Emilia-Romagna. Eles têm um uniforme padrão (para homens e mulheres) e a associação cuida de que sua educação em vinho seja continuada, com aulas, jantares harmonizados, viagens para diferentes terroirs e visitas teecnicas na vinícolas.
Nos últimos anos, as delegações dessa associação, que existem em diversas pequenas cidades, vem preparando alguns profissionais para os concursos de Sommelerie nacionais e internacionais.
Mas o que mais me chamou a atenção, foi que os profissionais da Emilia-Romagna também estão sendo preparados para serem 'Master de Sangiovese', a uva mais importante da região e também da Toscana, fazendo desse um profissional super capacitado para trabalhar com o que seu país e região produzem de melhor. Os italianos entendem que o sommelier é, também, um importante elo da cadeia de distribuição e popularização do vinho. Bacana, não?
Na foto acima estão alguns dos profissionais que estavam atendendo aos jornalistas e compradores estrangeiros que vieram para a degustação técnica (e silenciosa) durante o evento Vini ad Arte.
De tempos em tempos eles paravam para provar algum vinho, para comer alguma coisa e logo em seguida retomavam sua postura atenta e simpática.
Cada degustador, por sua vez, sentava-se em uma mesa separada, com 6 taças de cristal, uma de água, garrafas de água com gás e sem, cuspideira, pães e uma lista de vinhos para escolher.
Eu escolhi alguns e pedi ao sommelier que escolhesse outros.
Se estivéssemos com fome eles providenciavam que um garçom viesse nos atender com pequenos bocados de comida. O sommelier fazia o serviço dos vinhos e deixava as garrafas na frente das taças enquanto degustávamos e depois as retirava para trazer uma nova leva.
Silenciosamente, com discreção e simpatia.
Esta postagem vai fazer par com uma outra, que espero colocar no ar ainda nesta semana, falando também da cultura do vinho, pois acredito que um lugar que respeita seus produtos e respeita e treina os profissionais que trabalham com ele, está contribuindo para que a indústria cresça com segurança e dedicação de todos. Sem frescura, sem gente metida à besta.
Na última foto está um sommelier que 'mudou de lado'. Depois de ser praticamente criado no restaurante de seus pais na cidade de Cortina D'Ampezzo, Enrico Valleferro estudou hotelaria e sommelerie. Trabalhou em cinco países, em alguns deles - como a Nova Zelândia - o salário não compenssava, mas o aprendizado sim. E ele suportou tudo, as diferenças culturais, as dificuldades com chefes e colegas e ainda assim dedicou-se ao trabalho por 10 anos.
De volta para a Itália teve o convite para trabalhar em uma vinícola e aceitou mudar de cenário mais uma vez. É gerente de exportação de uma importante vinícola da área de Prosseco.
Na foto ele aparece bem satisfeito, pois quando me disse que íamos almoçar em um restaurante de frutos do mar, eu pedi para que ele voltasse a ser o sommelier de antes e fizesse não só o serviço dos vinhos como a harmonização com todos os pratos que provamos, como o de carpaccio de peixes e camarão, na última foto. Foi excelente!
Bons goles e até mais!
Oi, Silvia.
ResponderExcluirConcordo com sua matéria. Infelizmente antes de melhorar o ensino e a técnica, o primeiro aprendizado é a Ética. Falta mobilização profissional e política para mudar os rumos de nossa profissão no Brasil. Será necessário realizar um Fórum para discutir o futuro e depois com diretrizes fundar um sindicato.
Bjs
Eliana Araujo
Sommelière
www.passaportedovinho.com