Colheita 2016

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Seja bem-vindo! E que nunca nos falte o pão, o vinho e a saúde e alegria para compartilhar!

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Revoluções na Taça

Há mais ou menos quatro anos escrevi um texto fazendo críticas duras a um determinado segmento do mundo do vinho. Recebi outras críticas de volta, malvadas, irreais, mal educadas. E numa delas havia uma frase que dizia que era impossível levar a sério pessoas que passavam seus dias girando taças (fazendo 'revoluções na taça' foi a expressão usada) e buscando aromas e sabores que não existiam, pois tudo o que há numa taça (dizia o texto) era vinho, e nada mais.
Lembrei-me desse discurso furioso várias vezes nos últimos dias, e esse é um dos motivos de meu silêncio no blog, e não a falta de novidades. Ando inconformada com muitas coisas e o vinho é apenas um coadjuvante nesse história.
Não sei se vocês, meus leitores, já pararam para reparar, mas ultimamente não se pode mais criticar os adultos ou chamar a atenção das crianças, pois todos se revoltam e reagem mal.
As crianças parecem não ter mais limites para nada e o 'não' virou palavra proibida para os pais utilizarem com seus pimpolhos.
Os adultos têm me parecido os donos de uma verdade absoluta que precisa ser espalhada por todos os cantos onde eles acharem que ela cabe. Não sei se é frustração de uma vida mal vivida, aquém de suas próprias expectativas, ou a tentativa desastrada de, em algum momento, ser ouvido, mesmo que à custa de ofensas.
Fato é que os políticos (e os jogadores de futebol) andam falando bobagens demais e fazendo de menos (isso, cá entre nós não é novidade), as 'personalidades' televisivas andam comprando "causas" para poderem garantir alguns segundos a mais de fama e sobrevivência em uma mídia que é, na essência, efêmera, e os empresários andam de lamúrias pelos cantos, mas os preços de seus produtos não deixam de subir, enquanto a mão de obra é cada vez mais mal paga.
Em nossa vida privada, temos que conviver com essa frustração de muitas pessoas, manifesta inoportunamente e sem que se possa contestar, sob a alegação de sermos maldosos com quem nos ofende. E é dessa forma que muitas coisas que não deveriam fazer parte de nossas vidas, passam a fazer.
Taça meio vazia
Fiquem de olho, pois está para passar uma nova lei que vai fazer de qualquer pessoa que consuma qualquer quantidade de álcool (desde um bombom de licor) e dirija um carro, um criminoso, passível de processo civil, multa e cadeia, mesmo sem ter feito nada mais do que guiar um carro.
Que fique CLARO que não sou a favor de beber e dirigir. Acredito que quem enche a cara é um idiota (ou um doente, e nesse caso precisa de tratamento), e que se essa pessoa cometer algum delito deve ir para a cadeia imediatamente, sem direito a fiança alguma.
Mas não acredito que todo mundo que bebe enche a cara. Não acredito que uma lei dura como essa resolva os problemas que temos com as pessoas que passam dos limites. Cercear a liberdade dessa forma nunca produz os resultados positivos esperados.
Não acredito que isso vá 'conscientizar' as pessoas, ocupar o espaço que a educação e os valores morais deveriam preencher. Como poderia? É política novalgina, trata a febre mas não a doença.
Um casal resolve casar, vai a um restaurante, janta, conta para o garçom que esse é o noivado deles, querendo compartilhar sua felicidade. O garçom, desejando agradar, oferece com a sobremesa uma taça de moscatel para cada um. Eles aceitam e celebram felizes. Na saída ele (ou ela) é parado numa blitz e o bafômetro aponta álcool. Um dos dois vai para cadeia e, se não tiver curso superior, fica preso numa cela comum até alguém ter o dinheiro para pagar a fiança.
Essa pessoa é criminosa? Sim, se a lei passar ela será, pois nossa legislação não permitirá nenhum consumo de álcool para quem pretende dirigir. Isso está certo do seu ponto de vista? Isso resolve nossos problemas de excessos, de mau comportamento, de falta de educação, de outras drogas?
A cracolândia paulistana cresce a cada dia, e o consumo de drogas como oxi, crack e cocaína é um dos maiores problemas de saúde pública da cidade (senão o maior deles), mas dirigir portando uma pequena quantidade de drogas não é crime.
Isso está de acordo com uma cidade como SP? Com suas distâncias enormes, sua ineficiência de transporte coletivo, sua falta de segurança nas ruas, seus preços exorbitantes para a utilização de taxis? Isso vai ajudar os hotéis, restaurantes, lojas e importadores a comercializarem seus produtos sobretaxados com impostos abusivos deste governo inepto?
Taça negra
Quando o governo ditatorial resolveu que era melhor uma população ignorante do que uma população que pensasse, em meados da década de 1960, o ensino das escolas públicas começou a decair vertiginosamente. Parte da história do Brasil e do mundo não podia mais ser ensinada em sala de aula, filosofia, sociologia e política passaram a ser assuntos de comunistas que estavam prestes a acabar com a propriedade privada e, por conseguinte, com o status quo tão querido de nossos coronéis de farda e de fazenda. Portanto, esses 'pensadores livres' precisavam ser contidos. A escola precisava ser dura e não educativa.
Terminada a ditadura, parecia que isso só afetaria uma camada da população, a que sofreu diretamente os abusos da polícia política. Ninguém se deu conta de quão contaminada estava a nossa sociedade pela ignorância atroz que vinha se consolidando.
Em uma década o mundo mudou mais rápido do que o Brasil, e o final da ditadura encontrou um país em frangalhos, que fez um esforço enorme para correr atrás do tempo perdido, abrindo fronteiras, fazendo acordos comerciais, remendando uma economia cujo declínio começara há décadas.
Ninguém pensou na educação, que continuou uma escalada vergonhosa, de professores mal preparados e pagos, escolas de lata, insegurança em sala de aula, separando ricos de pobres (quem podia colocava os filhos em escolas particulares), separando por cor (para garantir que as minorias tivessem acesso ao ensino superior) e, por fim, pela condição econômica, com a vergonhosa política de quotas.
Ninguém pensou que nada disso seria necessário se houvesse um ensino público de qualidade, que separaria naturalmente as pessoas por suas habilidades e por sua capacidade de dedicação?
Mas não, nos últimos 30 anos vimos a educação separar cor e contracheque e, por fim, temos alunos em cursos superiores gratuitos protestando para poder fumar maconha dentro do campus, enquanto outros precisam deixar seus estados de origem para ter a mínima possibilidade de fazer um curso superior, contando com financiamento ou política de quotas.
Do outro lado temos uma sociedade estúpida, bestificada pelos desejos de consumo impostos em cada anúncio de carro, de tênis, de marca de cerveja, em cada música eletrônica sem melodia ou poesia, em cada corpo esculpido por academia, complexo vitamínico ou cirurgia plástica.
Não pensamos mais e isso não nos incomoda. Não podemos mais ser criticados, pois com a internet gratuita, se não soubermos alguma das 'verdades absolutas', podemos procurá-la no google e não escutar a opinião de outra pessoa.
Criticamos a tudo e à todos, brevemente, como pede a sociedade imediatista na qual vivemos. Mas não paramos para olhar nossas próprias falhas.
Queremos tudo, ao mesmo tempo, agora. Mas tudo era o quê mesmo?
Taça Cheia
Sim, minha taça está cheia. Cheia dos que trabalham mal, cobram caro e enchem o saco. Cheia dos que não trabalham, reclamam de tudo, criticam e ofendem. Cheia dos políticos que NADA fazem pela sociedade, mas tudo fazem por seus conchavos e por um punhado a mais de tostões, que podem vir a qualquer custo para a sociedade e o meio ambiente. Cheia das pessoas que votam nessa gente podre, esperando um favorecimento qualquer e achando que nada disso respinga nelas, que elas não fazem parte dessa podridão.
Cheia de gente que é do time do 'faça o que eu digo mas não faça o que eu faço', desde os que jogam papel na rua ou estacionam em vagas para deficientes, passando por aqueles que compram 'apenas um filmizinho no camelô' para o filho que não pode esperar até a cópia verdadeira ser lançada, até aqueles que se dizem bons mas guardam no olhar a inveja e o desprezo.
Cheia da falta de oportunidades para quem trabalha sério, cheia dos conselheiros de aluguel, que gostam de falar para se sentirem superiores, cheia de quem promete e não cumpre, cheia de quem vende e não entrega, cheia de quem suja e não limpa.
Na verdade, ando com vontade de mandar alguns adultos calarem a boca. Ou ainda mais, ando com vontade de calar a minha própria boca em todos os segmentos onde eu percebo o abuso e a manipulação, a ignorância e o preconceito.
Mas ao final, sei que as taças vazias serão cheias para serem esvaziadas em seguida e que independentemente de minha insatisfação, o mundo gira a lusitana roda. Mas por um momento eu gostaria que um adulto calasse em sua garganta a raiva, o preconceito, a besteira e pensasse em uma maneira de fazer as coisas melhores, mais equânimes, mais para todos e menos para sí.
Apenas uma vez...


P.S.: Segue um trecho do livro "Bebo, logo existo" do inglês Roger Scruton: "Graças ao empobrecimento cultural, os jovens não têm mais um repertório de músicas, poemas, discussões ou ideias com o qual possam entreter uns aos outros em suas taças. Eles bebem para preencher o vazio moral gerado por sua cultura, e embora tenhamos conhecimento dos efeitos adversos da bebida num estômago vazio, estamos agora assistindo aos efeitos bem mais devastadores que a bebida gera numa mente vazia."

O selo acima foi feito por meu marido, que também anda um pouco de taça cheia.

2 comentários:

  1. Bárbaro Sílvia...
    Essa tua indignação é a mais pura fotografia da época e do país que estamos vivendo, concordo em gênero,nro e grau..
    parabéns
    saludos
    Zzé

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  2. Paraéns Silvia, concordo plenamente. Tudo ee muito imaturo no Brasil infleizmente.

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