Ele está na foto abaixo, mostrando o vinhedo da empresa, três anos atrás, quando eu o conheci. É daquelas pessoas que são um presente para os jornalistas, tudo o que ele fala parece publicável e interessante.
Mas faltava eu conhecer o irmão mais velho de Orgalindo, Vilmar, que vive na antiga propriedade da família, numa zona quase rural da cidade gaúcha de Garibaldi (foto abaixo, de uma parte da propriedade).
Da mesma forma que dizem que toda vinícola tem seu fantasma, todo país que produz vinhos tem seus personagens míticos, seus 'não-conformistas', que dão um tempero diferente ao mosto. Vilmar Bettú é um deles.
Há anos venho escutando 'estórias' que afirmam até, que se você marcar com ele, chegar lá e ele olhar para sua cara e não for com ela, ele fechará a porta sem dizer sequer um bom dia...
Convenhamos, não há coisa pior do que isso para um jornalista: porta fechada na cara.
Bah!
Mas felizmente, eu tenho amigos! Com o auxílio do próprio Orgalindo, do Celito e da Eliane, consegui o telefone e um encontro.
Claro que como tantas coisas 'míticas' a realidade não era exatamente o que a ficção pregava.
Fui recebida por um Vilmar simpático, atento, esperto de verdade. Aquilo que aqui no interior de São Paulo chamamos de matuto.
Ele logo apresentou uma parte dos espaços que fizeram sua fama, a pequena área onde são feitos seus vinhos, as salas subterrâneas onde guarda os garrafões (!!!) de varietais e começou a contar um pouco de sua história.
Formando em engenharia mecânica, trabalhou por um bom tempo na Mitsubishi. Morou em outras cidades, casou, criou filhas, mudou de emprego, aposentou e resolveu dar aulas de física para a garotada numa das escolas da cidade de Garibaldi.
Os vinhos sempre fizeram parte do dia-a-dia da família, o pai - com mais de 90 anos - vive na casa que fica acima da 'cave' de Bettú, e cultivava uvas, mas não apenas as americanas, por lá já existiam Peverella, Malvasia, Trebbiano, entre outras.
Há pouco mais de dez anos, Vilmar resolveu fazer seus próprios vinhos. Em princípio Orgalindo ajudava, mas o trabalho na Villa Francioni o afastou da lida em Garibaldi e Vilmar continuou fazendo os vinhos da maneira que quer.
E é aí que as coisas ficam realmente interessantes.
Como não tem o 'comércio' dos vinhos como objetivo de vida, Vilmar faz o que quer, da maneira que quer.
Compra as uvas que acha que estão boas, de produtores que ele vigia como ave de rapina para saber se o que vai chegar na cantina é mesmo de qualidade, pisa as uvas em lagares de madeira, se recusa a prensar o bagaço pois acha isso uma ofensa aos bons frutos, vinifica em pequenos (mesmo) tanques e depois coloca alguns dos vinhos em garrafões ou em barricas novas ou de segundo e terceiro uso.
Quando resolve 'misturar', pega os garrafões e compõe seus vinhos.
Simples não é?
Claro que não.
Com garrafas que podem chegar a custar 700 reais (isso mesmo, setecentos), seus vinhos são tudo, menos simples.
As uvas podem ser Merlot, Chardonnay, Tannat. Mas também podem ser Rebbo, Pinotage, Teroldego, Alicante Bouschet entre outras pouco comuns aos brasileiros.
Seu estilo é marcadamente do Velho Mundo, com potência onde ela precisa estar e delicadeza onde ela é necessária.
Ele me serviu um rosé encantador (tive que comprar uma garrafa), um espumante de Chardonnay sem degórgement (sem tirar a levedura e complementar com o licor de expedição), dois tintos excelentes (um corte bordalês de 2001 e um Tannat 2003/2004) e uma enorme dose daquilo que os jornalistas vêm buscar: um pouco de poesia, um pouco de ciência e um pouco de caricatura.
Mas por trás disso tudo, Vilmar me pareceu ser um homem daqueles que tem a rara possibilidade de fazerem o que apreciam. Um autodidata que não precisa prestar contas para ninguém, e que se vale um pouco do misticismo que o envolveu ao longo dos anos para seguir trabalhando e vendendo.
Onde isso fica claro? Sua cabeça de engenheiro é excepionalmente racional, sua 'aparente' desorganização é um pouco estilo e um pouco fachada, pois seu estoque de vinhos já engarrafados é precisamente organizado, mantido em temperatura controlada e todo numerado.
Para completar o quadro, sua filha é enóloga e trabalha para uma importante empresa do Vale dos Vinhedos.
De minha parte, continuo achando que os Bettú nasceram para fazer grandes vinhos (e ao que parece, cobrar caro por eles é de família também), são homens de rara inteligência, mal disfarçados em 'gente do campo'.
Descobrí-los é abrir uma porta muito interessante e peculiar na história (e na realidade) do vinho brasileiro.
Obrigado Vilmar, por ter me recebido em sua casa!
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