Colheita 2016

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quinta-feira, 16 de junho de 2011

O que não há

Os leitores deste blog sabem que circulo muito pelos terroirs brasileiros e alguns de meus amigos sabem que uma 'meia dúzia' de coisas me incomoda muito quando se trata do que deve ser feito para que os vinhos brasileiros tenham mais público e mais espaço nas taças de nossos cidadãos.
Já falei aqui (e voltarei ao assunto oportunamente) sobre os preços dos vinhos nos supermercados, sobre a variedade ridícula de produtos, sobre a dificuldade de encontrar novidades nesta que é a maior cidade do país e da América Latina, sobre as cartas de vinhos de nossos restaurantes, que não contemplam vinhos brasileiros e nem ao menos fazem um esforço de conscientização de seus funcionários, quanto mais de seu público.
Mas hoje vou falar de outra coisa.
Vou falar das enotecas, palavra que - na minha edição um pouco velha - nem existe no dicionário Aurélio.
É uma palavra italiana que vem do grego, e significa 'armazén/museu de vinhos'. No entanto, na Itália (e em alguns outros países com tradição séria de vinhos) é um local onde turistas e residentes podem provar produtos (pagando ou não, depende do local) e comprá-los a preços mais interessantes.
Isso 'fala' sobre uma sociedade mais evoluída, onde o trabalho de cada ser humano é valorizado e portanto evita-se ir a um lugar para comer e beber de graça, sem comprar nada.

  ((Vamos lá pessoal, o 'Gérson' já passou dos limites por aqui, tem gente que vai ao supermecado nos dias de promoção para 'almoçar' só com as porções dos divulgadores e aqueles pedaços de pão doce e de fruta que ficam cortados para as pessoas. É sério, já vi gente parada ao lado do pratinho comendo 7/8 pedaços de melancia. E pior, comem produtos que eram para venda dentro do estabelecimento e largam a embalagem na fila do caixa. Quem nunca viu isso?))

Mas voltando ao assunto, quando estive na Itália no começo do ano, visitei algumas enotecas, em vários estilos. Numa troca de emails recente com meu colega de viagem falei que sentia enorme falta de ter um lugar assim aqui. Ele me escreveu: "Por que você não abre a sua? Vai falir, mas ao menos vai beber o estoque."
Ele tem razão, abrir um estabelecimento desses aqui no Brasil é uma loucura, a carga tributária é impeditiva, os 'gérsons' são muitos e a tudo isso soma-se o fato de que não é costume do brasileiro tomar uma ou duas taças de vinho, da mesma forma que faz com a cerveja - apenas porque é agradável e deu vontade.
Somos poucos (pouquíssimos para ser sincera) os que gostam de fazer isso e apreciariam ter um espaço como esse.
Mas frequentemente penso que se isso é possível com o boteco e a cerveja, deveria ser possível com o vinho.
O mais incrível é que mesmo no sul esse tipo de estabelecimento não existe.
Não sei se é pelo fato das vinícolas não quererem oferecer seus produtos em um espaço comunitário, quando eles tem na vizinhança seu próprio espaço, onde não terão concorrência ou não serão alvo das inevitáveis comparações.
Pode ser que esse seja um dos fatores, e aí a única saída é a melhora dos produtos para que na comparação a coisa fique mais solta, a prática de preços mais competitivos e umas horas de terapia para melhorar a auto-estima dos que tem complexo de 'primos-pobres'.
Vejam só, costumo ir xeretar as novidades em vinhos na loja do andar superior do Canta Maria, na entrada de Bento Gonçalves, mas se eu quiser provar algo, tenho que comprar, mesmo que exista um cartaz anunciando uma super oferta (seria interessante provar uma taça antes de comprar, certo?). É um restaurante, afinal.
Conheci, na mesma cidade de Bento Gonçalves, duas outras lojas que não eram restaurantes, que tinham estoques interessantes, sala de degustação e até ofereciam alguns produtos para prova dos clientes que apareciam a qualquer momento do dia. Nenhuma delas resistiu ao teste do tempo. Uma delas continua existindo na internet, e é onde compro a maioria das garrafas de vinhos brasileiros.
Triste, muito triste.
Voltando para a Itália.
Abaixo vocês veem duas fotos da fachada do restaurante (e enoteca) Cá de Vén, na cidade de Ravenna - cidade que guarda o maior acervo de arte Bizantina do mundo, tendo sido a última capital do império Romano do Oriente.
O restaurante fica no Palazzo Rasponi, erguido no final de 1300. Coisa nova. Funciona como espaço de comida e vinhos desde 1975, zelando pelas tradições da Emilia Romana, mas abrindo lugar também para eventos e jantares especiais de várias outras zonas produtoras, não só a Itália, diga-se de passagem.



Era noite de inverno, por isso a qualidade um tanto lamentável das fotos acima.


Um dos salões, mais antigo, abriga mesas comunais e até um mezanino, mas tudo com toques de modernidade nos lugares certos (vejam a iluminação).


Algumas das caprichadas (e muito antigas) pinturas das abóbodas foram recuperadas e mantidas, um dos detalhes que garantem que o restaurante tenha o aval de uma instituição italiana que controla as cantinas históricas (Bottega Storica). Os armários escuros nas laterais armazenam vinhos, como 'literalmente' uma enoteca (veja abaixo).



A parte do restaurante onde ficamos é bem mais moderna, valoriza os arcos da construção original, mas abre uma enorme parede de vidro que mostra a beleza da construção de pedra ao lado, iluminada por fora. Os espaços são grandes, com mesas e cadeiras confortáveis e boa circulação.
O cardápio prioriza os pratos da região, mas com variedade para agradar até mesmo celíacos e crianças.
Abaixo está a entrada que nos foi servida, uma salada de presunto Parma com parmesão Grana Padano (que eu não comi, pois não como parmesão) e molho de aceto balsâmico.
Atentem: Reggio (onde se faz parmesão - parmeggiano reggiano), Parma (onde se faz o presunto) e Modena (onde se faz o aceto balsâmico) são algumas das cidades da região, não muito distantes de Ravenna.



Acompanhamos os primeiros pratos com um vinho branco da região, da uva Albana di Romagna, que fez par com as saladas (foram duas) e com a massa, um tortelli de ricotta com manteiga e sálvia.




Acima está o filé mignon (um luxo enorme na Europa onde carne de vaca é muito cara) com molho cremoso de açafrão (outro luxo), verduras de inverno (mache) e batatinhas ao forno com alecrim.


A salada morna de radiccio com pancetta.


Para finalizar, uma taça de Albana di Romagna doce acompanhava um tiramissú em potinho de barro. Um charme delicioso.


Na última foto, acima, está a entrada do restaurante. Ao ampliarem a foto, você verão algumas pessoas sentadas em volta de uma barrica e outras ao lado de uma das estantes de vinhos. Elas não vão jantar, estão lá apenas aproveitando uma taça de vinho em uma noite fria de sábado.
Para os que ficaram curiosos, o site do local é www.cadeven.it
Amanhã vou falar de outro estilo de enoteca.
Bons goles, sentindo a falta do que não há por aqui.




2 comentários:

  1. Bah Sílvia,
    o início do teu post foi no cerne da questão, terça feira passada mais uma vez estive na Serra Gaúcha e justamente reinvidiquei isso com alguns produtores.Como tem dois anos q tenho o restaurante em Montenegro, percebo nitidamente essa total falta de parcerias para criar cultura de consumir vinhos, principalmente nessas regiões que estão em transformação social e se localizam a poucos quilometros da região produtora. Levantei a bandeira e começei a fazer esse papel aqui na região, to trazendo vinhos da serra e revendendo praticamente a preço de custo pra tentar essa pequena revolução, detalhe, Montenegro tinha fábrica da ambev, tem duas cervejarias artesanais e é colonizada basicamente por alemães... pero me gustan los gran desafios...
    saludos
    Zzé

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  2. Parabens pelo excelente e curioso blog. Descobri hoje e já virei cliente.

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