Colheita 2016

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quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A incrível fábula de Maria Moscatel e João Sauvignon


Um lindo final de tarde de primavera encontra João chegando em casa depois do trabalho, quando o por-do-sol atinge suas cores mais impressionantes.
João sente os aromas deliciosos que o encontram já no hall do apartamento. Maria chegou mais cedo em casa!
João entra feliz, cheio de curiosidade. Maria, na cozinha, finaliza um prato de culinária chinesa, agridoce, enquanto cantarola uma música de Lulu Santos. Ao seu lado uma taça de espumante pela metade.
João lembra, de repente, que hoje era o dia da Confraria da qual Maria faz parte, por isso ela chegou mais cedo, e corre para provar da taça.
Maria, alegrinha e abraçada ao marido, demora alguns segundos para perceber sua cara de desagrado depois do primeiro gole. Dando dois passos para trás ela pergunta o que aconteceu. Ele, o rosto contorcido num esgar, pergunta entre dentes "você está bebendo Moscatel?"
Ela, sem entender direito a reação exagerada, explica que a degustação daquele dia era de Moscatéis e cada confrade pode trazer para casa uma das garrafas provadas, pois menos da metade de cada havia sido consumida.
João, ainda enfezado, nada responde e vai até a adega de onde retira uma garrafa de Cabernet Sauvignon latinoamericano e leva até a bancada da cozinha. Abre-o com certo exagero de maneiras e coloca na taça, sorvendo-o a seguir como quem lava a boca.
Maria vai até a bancada e vê que o vinho tem mais de 14 graus de álcool, quase o dobro do espumante que está bebendo. Ainda estranhando a atitude do marido, ela diz que aquele vinho denso e alcóolico não vai combinar com a comida e com o calor do dia e que o Moscatel fresco e quase cítrico que está tomando...
Mas João a interrompe, dizendo-se ofendido por ela pensar que ele, em algum momento de sua vida, iria fazer uma refeição acompanhado de Moscatel.
Maria se cala, termina a comida, faz seu prato e senta-se silenciosa para comer, com sua garrafa ao lado e a possibilidade de uma noite divertida ao lado do marido enterrada em algum lugar da gaveta de lingerie. João vai comer na sala, com sua taça de Cabernet e a televisão por companhia.

Moral da estória: Preconceito é ruim, em casa é pior ainda.
Os Moscatéis correm os mesmos riscos que quaisquer outros vinhos: podem ser bem feitos ou mal feitos, podem agradar ou não. E é exatamente por isso que devem ser avaliados pelos mesmos critérios usados para com outros vinhos e não deixando que nossa apreciação pessoal (ou preconceito) tome a frente.
No Brasil muitos consumidores de vinhos de mesa iniciam-se no mundo dos vinhos finos através dos Moscatéis. Seus aromas frutados e doces, seu teor alcoólico  mais baixo e seu sabor mais delicado fazem a transição dos vinhos artificialmente adoçados para os secos ser mais fácil e agradável.
Isso sem contar que os Moscatéis são ideais para as sobremesas e capazes de fazer frente à doçaria brasileira (cheia de ovos, açúcar e côco) como quase nenhum outro vinho consegue.
Mas mesmo assim o preconceito está em casa. Muito enófilos falam mal de Moscatéis e até mesmo produtores e enólogos relegam esses vinhos a uma segunda categoria e nem tem receio de falar isso na frente de quem quer que seja. 
Esquecem-se de que eles podem ser os adversários ideais para os 'lambruscos genéricos' que enchem prateleiras no país, para os 'prosequinhos' que guardam uma mera semelhança com os verdadeiros produtos de qualidade do norte da Itália, e que são comprados para 4 entre 5 casamentos por aqui.
Preconceito dentro de casa é triste e empobreçe. Fazer um vinho sem acreditar nele é perda de tempo e dinheiro. Ganhar o paladar (e o poder de compra) dos consumidores de vinhos 'suaves' é o sonho de muita gente, portanto nada mais fácil do que se despir de seus próprios preconceitos, fazer Moscatéis bons, frescos e mais baratos para abrir a porta para muitos brasilerios que precisam (e desejam) beber melhor.
Ah! E só um detalhe para o João Sauvignon: na Confraria da Maria não existem apenas mulheres. Existem homens sem preconceito que adoram beber na fonte.

2 comentários:

  1. Adorei!!!!!! Muito didático!
    Aliás, Silvia! Andas muito criativa!!!
    Para quem ainda não entendeu, ou quer aprender, que tal fazer um livro de histórias em quadrinho, do João Sauvignon e da Maria Moscatel?!
    Beijos

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