O gosto é dominado por uma série de experiências muito particulares, inclusive a exposição da pessoa a influências culturais, sabores, aromas e conhecimentos diversos (técnicos ou não).
Confesso que quando trabalhava em restaurante eu achava muito estranho quando me diziam "eu só gosto de Cabernet Sauvignon" por exemplo. Eu sempre ficava tentada a fazer uma cara de pasma e perguntar: "Por quê? o que as outras uvas e assemblages fizeram para você?".
Fato é que manifestar um gosto (ou desgosto) é, muitas vezes, uma forma de autoafirmação, de uma pessoa mostrar que tem personalidade, que tem conhecimento e, até mesmo, uma forma de mostrar superioridade.
Durante a Avaliação Nacional de Vinhos, no último final de semana, tivemos um desgosto de um dos avaliadores que causou um tremendo mal-estar em boa parte das centenas de presentes.
As farpas ainda voam pelo ciberespaço e eu resolvi não entrar no mérito da questão pois achei que as duas partes envolvidas estão erradas e certas, ou seja, não há como defender um sem entender onde ele mesmo procurou sua desventura.
Mas quero tratar de um assunto ligado à isso. Na verdade é mais uma proposta para que vocês, meus leitores pensem à respeito.
Até que ponto somos bons degustadores, avaliadores, jurados? Será que não somos somente um amontoado de influências e de experiências, vestidos com uma capa de conhecimento e suscetíveis a erros e a 'bad hair days' como qualquer outra pessoa?
Por que, como e onde nossos palpites, pitacos devem ser ouvidos, utilizados, respeitados?
Imparcialidade não existe. Ponto.
O que existem são critérios, aprendizado, respeito, ética, moral e (que bom seria se fosse enorme a dose) bom senso.
Talvez utilizando todos esses 'parâmetros' a gente seja capaz de dar uma opinião a respeito de alguma coisa que se aproxime da isenção. Ainda assim, ela será sempre nossa e de ninguém mais. Questioná-la pode ser muito frustrante, pois estaremos questionando nos nossos padrões e não nos da outra pessoa.
Para ajudar a minha própria filosofia a descer goela abaixo, resolvi fazer uma harmonização doida no almoço.
Abri uma garrafa do Prosecco Alto Vale, um Charmat feito pelo enólogo Daniel dalla Valle na Domno Brasil, em Garibaldi. Na foto está Daniel, retirando uma amostra do tanque onde o espumante estava quase pronto, no final de fevereiro deste ano, quando o provei pela primeira vez.
Hoje fiz certinho, a garrafa estava descansada, devidamente gelada e o líquido foi colocado na taça oficial do espumante brasileiro. Estava delicioso, muito leve (tem apenas 10 graus de álcool) e com um frutado cítrico bem agradável, volatilizado pelas borbulhas mínimas.
Acompanhei o vinho com um arroz thai, com salsa, cebolinha e pepino japonês picados, temperados com um pouquinho de óleo de gergelim, sal marinho e pimenta vermelha fresca. Ficou delicioso!
Assim fica a 'food for thought' (comida para pensar), sobre as nossas harmonizações na taça, no prato e na vida, sobre as nossas opiniões e gostos arraigados feito vinhas velhas e retorcidas, sobre nossos favorecimentos e desconhecimentos.
Um desejo para que eles se harmonizem como boa comida e bons vinhos, velhos amantes e paixões desenfreadas e outras coisas boas da vida!
Bons goles!
P.S.: No episódio de hoje da série inglesa Ashes to Ashes, o chefe de polícia que havia acabado de prender um psicanalista por conta de um crime violento, diz para uma policial que estava devolvendo o livro 'The Joy of Sex' na estante do criminoso: "Nunca confie em um homem que precisa de um livro para aprender algumas coisas que ele deveria saber sem usar um guia"