Claro que existe isso por aqui também, pois são 700 pizzarias na cidade - isso sem contar os estabelecimentos que só tem entrega e não tem salão - em todos os estilos possíveis.
Algumas (poucas) dedicam-se a fazer as pizzas de uma maneira mais aproximada da tradição italiana que é, na verdade, a pizza napolitana que leva apenas massa, molho, queijo mussarella e manjericão, sem firulas, sem frescuras que, como todo bom chef sabe, são as coisas mais difíceis de se conseguir.
A boa pizza é uma sinfonia bem conduzida de bons ingredientes: farinha de qualidade, azeite extra-virgem, fermento que tem tempo e tempetaura correta para se desenvolver, tomates sem acidez e com tempero justo e queijo de excelente qualidade. Isso sem contar a mão humana, para abrir, cobrir e assar em um forno à lenha, com perfeição de quem sopra cristal.
Sou uma apaixonada? Sim, claro, principalmente se eu disser que até os 18 anos eu não comia nenhuma pizza que levasse queijo...e hoje sou daquelas (chatas) capazes de perceber a qualidade da mussarela com uma única garfada.
O fato de ter trabalhado por dois anos em uma das melhores pizzarias da cidade ajudou, claro, ao lado de um chefe que respeitava os ingredientes acima de tudo.
Mas resolvi colocar essa postagem aqui hoje para falar de uma outra casa, a pizzaria mais antiga de São Paulo, a Castelões.
Fundada em 1924 - sim pessoal, 1924 - fica no Brás, em uma ruazinha estreita e feia, com fachada e interior simples, com garçons que parecem estar lá desde o início da casa (vá lá, é exagero, mas que todos são da terceira idade, isso sim). A casa não tem website, não aceita cartões e praticamente não se rendeu à 'modernidade' da rúcula com tomate seco. Praticamente pois, agora que até em Xiririca da Serra já fazem essa cobertura de pizza, eles a colocaram no cardápio.
Tem tudo o que se espera de uma cantina/pizzaria: toalha xadrez, linguiças frescas penduradas no teto (são vendidas em porções e também usadas nas pizzas, preparadas especialmente para a casa), antigas garrafas de vinho Chianti, daqueles com a cestinha de palha em volta, e mesa de antepastos com 'cara' de cozinha da mamma!
Aliás um parêntese, uma vez que este é um blog de vinhos: a cestinha de palha era usada nas garrafas de Chianti para garantir que ela chegasse sem quebrar aos seus distantes destinos, em uma época em que o vidro era de baixa qualidade, mas o líquido já agradava paladares longínquos. Ficou tão característica que agora que isso não é mais necessário, a garrafa foi mantida por uma questão de marketing, mesmo que o vinho que hoje guarda já não seja de melhor qualidade.
Os pratos são bem ao estilo de cantina do sul da Itália, onde a culinária é mais 'quente' e mediterrânea, com massas frescas, tomates, berinjelas, abobrinhas, pimentas e pimentões, anchovas e muitas ervas.
Mas o que interessa hoje é a pizza, e pedimos o que havia de mais tradicional: Marguerita, que lá leva uma suave camada de molho de tomate sobre o queijo também. A massa, de borda mais espessa e assada com precisão, vai ficando mais fina em direção ao centro, o queijo é produzido em pequena escala por uma apaixonado pelo assunto, o Roni, que atende apenas as melhores casas de São Paulo com sua produção quase artesanal.
A pizza de calabreza leva a linguiça corretamente assada, sem excesso de gordura para não estragar a massa, e uma mistura de cebola e salsinha picadas que dão frescor e um ligeiro ardidinho.
Por fim, nossa concessão à modernidade foi a pizza de berinjela, com finas fatias do legume em conserva de azeite, desta vez sem nenhum queijo.
O vinho que acompanhou tudo isso foi um rosé nacional de Santa Catarina, que não estava na carta da pizzaria (sim, eles têm uma carta que beira o lamentável pela quase exclusiva presença de rótulos argentinos e chilenos de baixa qualidade, os 'reservados', que eu costumo dizer que são 'reservados para trouxas'), mas paguei a taxa de rolha que me pareceu justa e pudemos degustar nosso rosé devidamente colocado em um balde de gelo e servido em taças de vidro enormes...divertidas até.
Vocês devem estar se perguntando se não valeria a pena alguém ir fazer um trabalho sério de vinhos lá. E eu digo que acho que não. Esse time está ganhando desde 1924, e o fato de não aceitarem cartões dificulta o consumo de vinhos diferenciados e (claro) mais caros. Escolha da casa, de administração familiar e um tanto antiquada, mas que guarda uma resquício da memória paulistana, tão perdida em meio a modismos e influências várias de todos os povos que nos últimos 100 anos compuseram nossa diversidade.
Ficamos com o fato de que eles cobram pouco pela taxa de rolha e com a verdade de que a pizza lá é o centro das atenções, e não o vinho, que deve apenas ser um correto acompanhamento.
Boas garfadas, bons goles e feliz dia da pizza!
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