Não é uma questão metafísica, que questiona o universo e nem tão pouco a existência de Deus.
É apenas a percepção de que a nação brasileira, submetida a tantas influências, tem uma herança primordial, a portuguesa.
Quase nunca pensamos nisso, quase nunca falamos disso e é bem verdade que, em 1808, quando a família real veio (fugida de Napoleão) para o Brasil, nós passamos a ser 'Europa', ou seja, a sede do reinado era aqui.
Lembrei-me disso por dois motivos. Um deles é que conversei recentemente com um tradicional produtor de vinhos italianos que encontrei em Bento Gonçalves e depois aqui em São Paulo e ele me perguntou o por quê de termos, com a tradição vitivinicultora herdada dos italianos que ocuparam o sul, um estilo de vinificação tão francês.
Eu, a princípio, fiquei sem saber o que responder, mas pensando bem me dei conta de que os franceses foram muito melhores do que qualquer outra nação produtora de vinhos para disseminar sua cultura. E não interessava que os locais onde ela iria ser implantada não tivessem nada em comum com a terra de onde vinha a tecnologia, o 'know how'.
Os portugueses deixaram aqui os vinhos, por motivos vários que entram na seara da política e da economia, e por muitos anos tudo o que bebemos de 'estrangeiro' por aqui foram vinhos portugueses e alguns poucos italianos.
Argentina e Chile, hoje tão populares aqui no Brasil, beberam na fonte francesa também. Embora o Chile, mais adaptável e rico, tenha sofrido muitas influências e algumas delas do moderno mundo do vinho, onde a Austrália saiu na frente. Assim, essas influências se misturaram e casaram-se em várias garrafas, hoje quase indefiníveis em estilo.
Os europeus ainda conseguem "se ver" como criadores de estilos únicos, em geral por conta de uvas autóctones e de estilos de vinificação criados muito mais pela necessidade do que pela técnica adequada, mas o Novo Mundo do vinho bebeu em muitas fontes, assim as influências se misturaram de uma forma sem volta.
O Brasil é, hoje, uma combinação de cultura ítaloportuguesa, com estilo de vinificação francesa que, em muitas vinícolas, ainda quer copiar a potência dos vinhos 'bomba de frutas' do Novo Mundo.
Mas a outra coisa que me fez pensar em herança foi o fato de que hoje vou a dois eventos de produtores portugueses. O primeiro é do TEJO, que resolveu se 'rebatizar' para conseguir uma diferenciação em um mercado onde a marca tem tanto poder quanto o produto.
Fizeram muito bem, pois são grandes vinhos que precisavam de uma 'coletividade' para poderem trabalhar em prol do bem comum, e controlar melhor os vinhos produzidos na região.
Provavelmente amanhã trarei novidades sobre isso.
O outro evento será a reunião de cinco 'jovens senhores' produtores de grandes vinhos da região do Douro. Eles, numa divertida cartada de marketing, adotaram o nome de 'Douro Boys' e rodam o mundo apresentando seus vinhos e a região com um olhar menos sisudo sobre vinhos muito tradicionais.
Coisa boas para provar e escutar.
O divertido release enviado pela assessoria diz o seguinte:
Os “Douro Boys” não são uma banda de música pop, como o nome pode parecer, mas um grupo de amigos e familiares proprietários de cinco prestigiadas vinícolas do Douro: Quinta do Vallado, Niepoort, Quinta do Crasto, Quinta do Vale Dona Maria e Quinta do Vale Meão. Em 2002, eles decidiram se associar informalmente para promover a região, seus vinhos de alta qualidade e, claro, para se divertirem.
Eles representam a modernidade e a revolução na enologia do Douro. Mas "uma revolução tranquila", como costumamjustificar, já que buscam a renovação de vinhos seculares, porém respeitando as características desta tradicional região, a primeira demarcada no mundo. Os Douro Boys trabalham para mostrar, cada vez mais, as potencialidades dos vinhos do Douro e conquistar o lugar que eles merecem estar, entre os vinhos mais reputados do planeta.
Assim, tenho certeza de que voltarei com muitas novidades, mas deixo aqui uma questão, para quem faz vinho, para quem bebe vinho, para quem estuda vinho: ainda precisamos copiar alguma coisa? A tecnologia está disponível para todos (tem preço, claro), as diversidades são apreciadas cada dia mais em um mundo que tende a se padronizar com coisas 'genéricas' e os caminhos, embora tendo sido traçados por nossos antepassados, recebem agora os nossos passos e devem ter a nossa assinatura.
Conhecer de onde viemos nos dá tranquilidade, história, segurança e também a enorme possibilidade de fazer diferente, melhor, único.
Boa semana e EXCELENTES brindes para todos!
Brava Silvia !,
ResponderExcluirNão, não precisamos mais copiar nada, devemos buscar cada vez mais qualidade do nosso vinho , através dos seus varietais e clima. Mas deixo estas considerações ,aos enólogos, que entendem do assunto .
Me posiciono, enquanto pesquisadora do vinho e sua cultura :Ahhh, esta sim, precisamos nos sentir parte do que somos e vivemos. O entendimento de que não basta escrever no rótulo que o vinho é um produto cultural, é muito além disto.
Oz Clarke , já disse : "gostaria de perceber mais cultura italiana do que vejo" (Fonte-Jornal Ibravin -pag 14.)
Sábias palavras !!!
Como é possivel com produtores descendentes de italianos , observar-se abordagens da cultura francesa ? Cópia? Pq lá é lindo,e tudo o que é de fora é melhor?
Como vc mesmo diz : é preciso ter nossa assinatura, isto é : o reconheciemnto da nossa identidade, pq só a singularidade nos tornará únicos , como já o fazem: Prosecco, Saint Emilion, Tokaj ....
Um grande abraço !
Arq.Urb.Marilei Piana Giordani
Espec.Patrimônio Cultural Urbano-UFRGS
Mestranda-PROPUR-UFRGS