Colheita 2016

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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Avaliação Nacional de Vinhos 1 - A Política


Difícil saber por onde começar a contar o que aconteceu na abertura da Avaliação Nacional de Vinhos (ANV) no último sábado, em Bento Gonçalves.
Mas vamos colocar assim: com a democracia em ação nas últimas décadas e os políticos fazendo o que bem entendem em todas as instâncias públicas, muitos de nós deixamos de prestar atenção nos movimentos deles e em como a política está presente e permeando as diversas camadas de nossa sociedade.
No entanto, isso foi difícil de ignorar nos primeiros momentos da ANV, a começar pelo fato de que o evento foi atrasado em quase uma hora, esperando a chegada do governador do estado do RS, Tarso Genro (e sua entourage de mais ou menos 20 pessoas).
Depois, seguindo o protocolo para eventos envolvendo autoridades públicas, começou uma imensa recitação de nomes e cargos de todas as autoridades presentes, repetido todas as vezes nas saudações de cada um dos políticos que fizeram discursos no evento, a saber: o Governador, o Prefeito e o Presidente da Assembléia Legislativa. Este último, "fez uso da palavra" de forma tão eloquente que por alguns momentos eu me senti em um comício político.
Uma de suas falas, no entanto, fez sentido: a necessidade de modificar os contrarótulos dos vinhos importados, para que tenham as mesmas exigências e restrições que os vinhos brasileiros têm (aqui e para serem exportados). Esse é um problema sério que muita gente ignora e que faz com que vinhos importados meio-doces sejam vendidos como secos, só porque ninguêm lê o contrarótulo.
Já os brasileiros são obrigados a colocar no rótulo (e em tamanho bem visível) as palavras que definem a graduação de açúcar (seco, meio-seco, licoroso etc).
Ele também fez apologia ao selo fiscal (dizendo que "estão vencendo batalha após batalha") e ainda saiu de lá premiado com um sabre (é típico das homenagens que se faz no mundo do vinho entregar um sabre, mas acho tão perigoso dar uma arma de guerra a um político...) e com o troféu de personalidade amiga do vinho, o troféu Vitis.
O discurso do Governador foi mais moderado, felizmente, e o propósito de sua visita foi anunciar que haverá um aumento de recursos para ser utilizado pelos orgãos que divulgam e protegem o vinho brasileiro.
Isso pode ser bom ou mau, dependo das mãos nas quais cair. Utilizado será, pois a indústria do vinho fica de olho nesses recursos, diferentemente de 'outros dinheiros' públicos que nós não sabemos onde estão e nem como são utilizados.
No entanto, esses recursos em mãos xenófobas serão capazes de criar ainda mais restrições à diversidade, a maior alegria do mundo do vinho. E por xenofobia aqui entenda-se não apenas os vinhos importados, mas também aqueles que não estão ao redor da ilha dos que mandam na república do parreiral.
Estão em projeto várias tentativas dessas, como por exemplo a de exigir a aplicação de rígidas leis sanitárias para qualquer propriedade que faça vinhos.
Por favor, nada contra a higiene, sem ela não existem vinhos sãos, mas o excesso de exigências pode acabar com os pequenos vinicultores. Que foi o que aconteceu com vários produtores de queijos na França, quando a Comunidade Econômica Européia passou a exigir que todos os queijos comercializados em seus territórios fossem pasteurizados. A diversidade que garantia que os franceses tinham um queijo para cada dia do ano, caiu por terra.
Aliás, a palavra é apropriada: pasteurização, que agora parece sinônimo de parkerização.
A grande pergunta é: por que alguns querem tanto colocar em suas grandes taças o conteúdo das taças pequenas dos outros? O que incomoda tanto?
Várias respostas me ocorrem, e a maioria delas têm a ver com ganância em suas diversas formas: poder, controle, riqueza etc.
A mim parece que pouco (ou nada disso) deveria combinar com vinho, aliás, em minha taça e em minha boca nada disso harmoniza.
Mas compreendo uma parte. Compreendo que as empresas precisam dos políticos e eles dos eleitores. Afinal, no ano que vem nesta mesma época, eles estarão todos em campanha eleitoral e nada melhor do que um palanque com mais de 800 pessoas na assistência, certo?
Lembro-me de que, em 2007, quando a profissão de enólogo foi reconhecida, o então presidente da ABE, Dirceu Scottá, fez um discurso poderoso e inflamado (pelo qual foi aplaudido em pé) e ressaltou inclusive a ausência da governadora Yeda Crusius e o pouco apoio que eles tinham do governo estadual.
Aos poucos, tudo foi mudando. O Governador e seu séquito lá estavam, o Presidente da Assembléia passou o dia todo celebrando com os produtores, mas a profissão de enólogo ainda não está devidamente regulamentada, como bem disse o presidente da ABE, Christian Bernardi, pedindo a atenção dos políticos para esse fato, em sua fala bela e realista.
Ao final de quase uma hora de discursos e beija-mão, ficou a impressão de que - em alguns lugares ao menos - são os políticos que estão servindo o vinho, e não as pessoas que o fazem.


"... e o sol da liberdade em raios fúlgidos, brilhou no céu da Pátria nesse instante."

Leia amanhã: Avaliação Nacional de Vinhos 2 - O Vinho!

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