Colheita 2016

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Seja bem-vindo! E que nunca nos falte o pão, o vinho e a saúde e alegria para compartilhar!

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Para pensar!

A chef de cozinha Roberta Sudbrack fez - ontem - um workshop para os participantes do reality show Super Chef no programa da Ana Maria Braga, na Globo.
Ela começa sua apresentação dizendo que o chef pode sim ser famoso, mas não deve aparecer mais do que o ingrediente que usa, do que a comida que faz. Ela afirmou, com olhos honestos de quem pratica o que prega, que quando alguém escolhe 'ser cozinheiro', essa pessoa escolhe 'servir', e isso inclui entrar pela porta dos fundos, se trocar no vestiário dos funcionários e trabalhar duro, entre tantas outras coisas.
Confesso que fiquei emocionada, por compartilhar com ela desse pensamento, dessa certeza!
Isso se aplica aos restaurantes, é claro, mas se aplica também à minha profissão primeira, a de jornalista.
Muitas vezes, nas viagens que faço, as pessoas querem tirar fotos minhas e eu costumo dizer que 'jornalista quando sai em foto é má notícia', pois acredito exatamente nisso que disse a chef e tomo a liberdade de parafrasear: o jornalista não deve aparecer mais do que a notícia, ele não é maior e nem mais importante do que ela, ele é - apenas e tão somente - o veículo para que uma informação chegue ao público.
Atualmente, com a falta de exigência de diploma para se exercer a profissão de jornalista, a situação da qualidade da informação piorou ainda mais, complicada pela disperssão dos veículos nas mídias alternativas e nas redes sociais sem controle algum.
É óbvio que não sou ingênua a ponto de acreditar que alguns anos em uma faculdade façam de alguém um profissional, no entanto, um pouco de estudo dedicado e o aprendizado de algumas técnicas específicas fazem de uma pessoa um profissional em formação mais habilitado.
Eu não aprendi sobre vinhos na faculdade, obviamente (até porque jornalistas são bebedores de café e cerveja), mas aprendi onde buscar informações, aprendi como colocá-las em uma ordem que favoreça a leitura para os diferentes públicos e veículos que existem, estudei mais português e técnicas de redação do que, por exemplo, um engenheiro ou um médico, aprendi a pesquisar, a perguntar, a ir atrás de uma informação que comprove outra - ou que a desdiga para garantir que os dois lados de uma questão estejam representados.
Os especialistas sempre existiram e vão existir, mas antigamente estavam restritos aos setores de economia (jornalistas em geral não se sentem à vontade com números), ao esporte e às artes. Mas isso nunca quis dizer que se o colega do futebol tivesse uma dor de barriga, o jornalista que escreve a página de cinema não fosse capaz de 'segurar as pontas'. Por que ele era capaz? Porque conhecia a técnica e sabia onde buscar o que precisava para sair naquele espaço. Não era especialista (esses eram os articulistas, onde entrava a opinião de quem tem fontes privilegiadas e se dedica apenas a um assunto), mas era jornalista. Para o jornalista de verdade não existe 'o que eu penso', existem as fontes, quem disse o quê e quando, quem me deu uma determinada informação. O especialista é quem o jornalista vai buscar para entrevistar, para consultar, não ele mesmo e o que ele leu em algum lugar. O especialista é, apenas, um dos lados da notícia.
Hoje, temos 'jornalistas' de variadas formações. Alguns deles até - acredito - são pessoas que deveriam mesmo ter estudado jornalismo e estavam na profissão errada. Esses serão profissionais da informação um dia, se tiverem um pouco de humildade e atenção. E eu tenho o privilégio de conhecer alguns, felizmente.
Mas, a enorme maioria é de 'especialistas' em algum outro assunto que obtiveram o espaço em veículos que não querem pagar por um profissional e que não acreditam que isso seja necessário. Eles não tem compromisso com a veracidade das informações que transmitem e muitas vezes são os 'copiadores oficiais' de releases (release é o texto que a assessoria de imprensa de uma pessoa, marca ou produto envia como divulgação), são pessoas que adoram brindes e viagens acima de tudo, e não tem o menor constrangimento em pedí-los, oferecendo um espaço em seus veículos como contrapartida. Comportam-se mal, saindo no meio de entrevistas coletivas, chegando atrasados, querendo se impor entre as fontes de informação pois seu nome é 'mais famoso', deixando eventos para onde foram especificamente convidados para 'ir tomar uma', sem pensar ao menos em dizer isso em voz baixa ou sair discretamente, adoram que seus nomes estejam à frente de quaisquer outra coisa.
Qual o resultado disso tudo? A informação verdadeira fica perdida, as fontes não sabem a quem atender e muito menos "como" tratar com essas pessoas. Os veículos sérios perdem anúncios em favor dos 'vendidos', os profissionais dedicados perdem espaço para muitas pessoas que fazem muito bem uma coisa: marketing pessoal, e vendem opinião como informação.
Mais de uma vez, no meio do vinho, já escutei de produtores: "olha Silvia, quando a gente tiver uma verba a gente fala com você para fazer uma matéria". Ou outra: "ficamos felizes com o veículo de fulano/sicrano/beltrano, pois a gente pagou, mas saiu exatamente o que a gente escreveu e mandou para eles".
Esses são os absurdos da 'imprensa' de hoje. Publicidade é uma coisa, e precisa estar lá para pagar as contas (não dá para viver sem publicidade gente!), mas editorial é outra. O produtor ou o produto, não precisa conhecer 'a Sílvia', mas 'a Sílvia' precisa conhecer os produtos que compõem o expectro do assunto sobre o qual ela trata em suas matérias.
Este ano, fiquei sabendo, que alguns eventos no Brasil tiveram pouca divulgação pois os organizadores não tinham dinheiro para 'pagar' as matérias. O que acontece? É um círculo vicioso pernicioso: o sujeito está começando, quer aparecer, vai lá e fala para o veículo/jornalista: 'olha, me dá uma forcinha neste assunto/evento que eu te mando uma caixa de mexericas'. O cara aceita e divulga. Na próxima vez, de novo a caixa de mexericas e o espaço na página. Mas, a longo prazo, não se paga papel e nem impressão com caixa de mexericas (pois o sujeito não anuncia nunca, só pede favor) e um dia a safra de mexericas quebra, daí o 'jornalista' sem mexericas não escreve nada. Viram? Para tudo. No começo é favor, depois vira obrigação de ambas às partes e um dia dá errado.
Se o evento em questão fosse tratado como o assunto/notícia que é, simplesmente e sem favorecimento, provavelmente teria espaço sempre e, eventualmente, o organizador iria pensar: "Puxa, acho que vale a pena fazer um anúncio lá, eles são sérios e nunca me pediram nada".
Quem ganha nesse caso? Todo mundo, o veículo que poderá pagar um jornalista mais sério (que será questionado e cobrado em suas atribuições pois não trabalha de graça ou por uma caixa de mexericas) e pagar a conta do papel, da tinta, da distribuição, o anunciante/produtor que terá a segurança de que o produto dele foi mencionado por ser importante, não por ser 'pagante' e, acima de tudo pessoal, o LEITOR, a única pessoa que realmente interessa no final disso tudo, aquele para quem pegamos o melhor ingrediente, com a melhor técnica, com o maior cuidado e com toda nossa humildade, e servimos a informação quente, fresca, honesta. E essa informação correta poderá, a longo prazo, vender um produto também honesto e correto.
Pensem nisso ao lerem, ao comprarem, ao anunciarem, ao darem uma entrevista, pensem em quem estão favorecendo a curto, médio e longo prazo. Pensem se vale a pena.
A informação, hoje, parece com o título do livro do Milan Kundera (Marshall Bermann) "Tudo o que é sólido desmancha no ar", mas não é assim. Equívocos se prolongam, corrigir um erro de imagem custa mais caro do que começar certo, mesmo que demore um pouco mais.
Parabéns Roberta Sudbrack, parabéns aos profissionais da informação que, entre as águas turvas e turbulentas que temos navegado, conseguem manter o microfone mais alto, sobre as águas.

9 comentários:

  1. Parabéns Silvia, muito boa a sus matéria.... vou roubar para o meuu mural no facebook. Abraços,

    DANIEL ARRASPIDE

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  2. Silvia,

    Assino embaixo praticamente tudo. Apenas acho que o diploma de jornalista não garante nada, nem competência técnica nem ética (hoje não defendo mais o diploma). Um dos problemas é o sujeito, com ou sem diploma de jornalista, usar o "jornalismo de vinhos" como trampolim para atividades paralelas, quase sempre incompatíveis com o jornalismo. Outro são os corruptores, produtores e importadores dispostos a quase tudo para promover seus vinhos.

    abs

    Marcos Pivetta

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  3. Silvia querida, saúde. Estamos falando de diploma ou de ética e carater?

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  4. Mônica Rachele Loveraquinta-feira, julho 07, 2011

    Cara Sílvia!

    Cheguei a me emocionar lendo o teu post. Como jornalista, acredito que não é só o diploma realmente que faça a diferença, mas muitas vezes somos colocados no mesmo balaio dos "vendidos". E como isso dói. Além de termos dedicado nosso tempo e investido nosso dinheiro, além de, muitas vezes, perdido nosso sono - porque eu, por exemplo, viajava 200km por dia para fazer uma faculdade - ouvimos piadinhas sem graça de que hoje em dia, todo mundo é jornalista. Infelizmente este é o preço que pagamos pela incompetência de nossos políticos e pela inatividade de nossos sindicatos, que estão lá só para cobrar a contribuição e nada fazem por nossa profissão.
    Aqui no RS existe uma campanha nas emissoras de rádio do Sindicato das Agências de Publicidade que termina assim: "Não contrate Agências de Publicidade no escuro". Agora, na hora de contratar uma assessoria de imprensa, o que parece que mais vale é o preço e a troca por mexericas. Além de que já ouvi de empresários: "Mas a fulana é tão querida", se referindo a assessoras de imprensa sem formação. Ou seja, o importante não é ser profissional, é ser "querida".
    Parabéns pelo teu trabalho, pelo teu esforço em mostrar o quanto muitas pessoas estão erradas em relação aos jornalistas.

    Abraço,
    Mônica Rachele Lovera

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  5. Didú, estou falando de ética e caráter, que parecem em falta no mercado, tal como safra rara. E sei que você, como homem da comunicação, sabe do que eu estou falando!
    Grande abraço,

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  6. Buenas Sílvia,
    golaço essa tua colocação, isso ocorre hoje em praticamente todas as áreas,claro que na comunicação o anseio por visibilidade é maior... muita casca e pouco conteúdo...
    como dizia meu avô lá em Livramento quando alguém começava a se gabar sem fundamento: Isso tá igual tosa de porco, muito grito pra pouco pêlo......
    saludos congelantes aqui do Sul...
    e dê-lhe malbec
    josé@penadelsur.com.br

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  7. Querida Silvia,

    Estou sob a pele de ambos: o que vem de uma formação em Comunicação, e o que hoje precisa vender suas próprias mexericas - e não mais as dos outros.

    Como produtor de vinhos artesanais em quantidade incompatível com anúncios pagos, me entristece a falta de idealismo com que a imprensa especializada em geral trata o tema do vinho, esquecendo que vinho é mais que um commodity financeiro - é também expressão cultural de um povo. Dar as costas ao país que a alimenta deslumbrando-se cegamente com tudo que vem de fora, desprezar vinícolas que não anunciam ou travestir matérias pagas em "reportagens de cunho informativo" corrompem o papel social e cultural da imprensa. Uma imprensa especializada movida apenas por dinheiro trai seu público, além de negar o verdadeiro espírito do vinho.

    Por outro lado, a vivência como profissional de publicidade me fez compreender a impotência do escritor frente às premissas de quem paga a conta do papel e da tinta. Sob esse prisma, é compreensível que um anunciante de peso não tenha seus produtos submetidos a críticas negativas. Omitir não é faltar com a verdade. O triste é a bajulação enganosa, e o desprezo de tudo que não represente lucro. Nossos valores se degradam. As pessoas estão muito deslumbradas com os perfumes de finos frascos, mas estão esquecendo as flores.

    Não vejo futuro para a mídia impressa nesse círculo vicioso, orquestrado pela ignorância da população - na acepção literal do termo. Nessa segmentação caótica da sociedade, os mais cultos seguirão migrando para os veículos alternativos e para as fontes estrangeiras, e a mídia tradicional, sem credibilidade entre o público emancipado, seguirá consumida por um segmento que após a leitura passará de desinformado a mal informado.

    Não vejo com tão maus olhos a mídia impressa ou as mídias alternativas, e mesmo a formação acadêmica ou não de seus colaboradores, contanto que atrás de qualquer dessas circunstâncias existam pessoas movidas por valores nobres. O que me entristece, sim, é constatar que essas pessoas são cada vez mais raras.

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  8. Olá Silvia,

    Concordo que, devemos ter qualidade em tudo. Trabalho de qualidade n se troca por uma caixa de mexericas. Também o vinho de qualidade, tem a sua diferenciação e singularidade.Nos dirá ,a proxima Avaliação Nacional de Vinhos em setembro.

    Mas escrever, e bem, não é pra qualquer um. Também no jornalismo, vc pode dizer melhor que eu, pq sou arquiteta. Um bom curso superior( no mínimo) , pós, mestrado, começam a diferenciar os profissinais , em todas a profissões.
    Como mestranda ,observo , quantas e quantas horas de estudo,pesquisa e dedicação, neste caso , a produção é de material científico (melhor!), mas o conhecimento que está embutido, é este que faz a diferença . Adquir conhecimento , custa,e uma caixa de presente, não paga , vero ?
    Parabéns Marco Daniele!!!, sim, o vinho é um Produto Cultural, é justamente isto que pesquiso no meu mestrado, mas aqui em Bento Gonçalves, continuam não entendendo..;Devemos valorizar nossa identidade , que também é expressa no vinho, sem a necessidade de olhar com "grandes olhos" lá fora... . Por isto que, somente o olhar técnico e capacitado pode discernir o que "não é tudo igual".
    Nossas universidades estão aí , oferecendo conhecimento ; dissertação de mestrado , ou tese de doutorado , não é pra ficar na gaveta, é pra ser aplicado. Só através da educação, poderemos nos tornar um grande país.
    O duro , é ter que concorrer, com pessoas sem qualificação, e quando o conhecimento não é recíproco.Vai, e não volta...
    Também , como vc, fico indignada com a falta de ética, que é uma questão de valores.
    Colaborando com o teu post, o livro " Tudo o que é sólido se desmancha no ar " o autor é Marshall Bermann.
    Brava, Silvia !
    Um grande abraço. Avanti ! Per il vino !

    Arq.urb. Marilei Piana Giordani
    Espec. Patrimônio Cultural-UFRGS
    Mestranda - PROPUR-UFRGS.
    Bento Gonçalves-RS

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  9. Augusto Silvestresábado, julho 30, 2011

    Parabéns Silvia. Gol de letra. Essa regra vale para os dois lado do balcão, profissionais e patrões. Trabalhos e resultados sérios não se conseguem de um dia para a noite. Chegar ao pódio reguer muita dedicação e paciência. Felizes aqueles que passaram por orgãos sérios, competentes e com profissionais a altura. Sabem dar valor ao bom trabalho e a uma boa e séria matéria. Belo trabalho. Muitos proderiam ter o mínimo que seja dessa experiência. Continue assim. Bjs.

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