Dois dos descritores aromáticos que eu escutei e achei mais divertidos foram: aromas de caixa de chapéu e aromas de bosques úmidos da Noruega. Suas especificidades são absurdamente adoráveis e fazem a má fama de muitos degustadores. Beber é simples, mas degustar não é fácil pessoal!
Uma explicação rápida que me deu uma professora de inglês há muitos anos: temos duas memórias, uma ativa e uma passiva. No caso das línguas, a ativa é aquela que utilizamos na hora de falar, aquilo que está ali bem ao alcance, já a passiva é aquela que acessamos na hora de entender (em geral muito mais completa). Dessa forma, nosso vocabulário para falar em outra língua que não a nossa tende a ser menor do que aquele que armazenamos para compreender essa língua (nesse caso para ler ou escutar).
No momento da degustação temos que acessar nossa memória de aromas, fortemente arraigada a nossas experiências pessoais. Eu nunca cheirei uma caixa de chapéu e muito menos andei por bosques úmidos da Noruega. Mas sei que essas pessoas, muito mais do que quererem mostrar que perceberam aromas inacessíveis a outros, estão trazendo de sua memória emocional para sua experiência atual a informação da maneira que a armazenaram.
Verdade seja dita, a análise sensorial é uma atividade complexa e não facilmente praticada por todos. Mas ela tem regras e padrões, para que os que só chegaram até Piracicaba sejam capazes de entender os que estiveram na Noruega. O que significa isso? Significa que - por vezes - o enochato só foi mal compreendido (ou mal traduzido).
Caixa de chapéu deve conter aromas como mofo, papel, couro e eventualmente algum perfume de um sachê colocado lá dentro - ervas secas talvez ou flores silvestres. Todos esses 'desdobramentos' são descritores aromáticos válidos e mais facilmente reconhecíveis por quem se dedica a degustar vinhos de maneira (digamos) mais científica. Mas as pessoas que não estão familiarizadas com esses padrões não são necessariamente pessoas sem percepção aguçada. Elas só precisam de tradução.
Muito desagradável é quando um bebedor/enófilo faz uso de comparações enigmáticas como essa para tentar mostrar que sabe mais do que outros. Isso sim é arrogância, falta de humildade. E convenhamos, o que é que se ganha querendo parecer que sabemos mais do que os outros? O melhor conhecimento é aquele compartilhado.
Está no youtube (no endereço ao final do texto) um delicioso video de uma degustação às cegas proposta pelo chef Gordon Ramsay ao enófilo e escritor Matt Skinner. Combinado ou não, o resultado é delicioso e funciona como um 'reality check' para os que se sentem acima de todos os aromas e sabores. Aliás esses devem ter cuidado, pois o etéreo mundo do vinho tem no céu somente aromas de evaporação, que são aqueles que chegam até as nuvens...
http://www.youtube.com/watch?v=-aI7sKlZM20&feature=player_embedded
Bom final de semana e bons goles!
sexta-feira, 5 de março de 2010
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