Como boa jornalista que me esforço para ser, vou fazer como ensinam os bons professores de reportagem e redação em algumas (poucas) escolas e em algumas (poucas) redações sérias - vou fazer o possível para abordar os dois lados dessa taninosa questão.
Começo dizendo o que aconteceu para me fazer colocar no ar estas elocubrações.
Meu pai faz aniversário no próximo dia dos Pais, e vamos juntar um grupo de parentes para comer pizza e tomar vinho em meu apartamento. Das 15/16 pessoas que virão, somente duas não bebem vinho. Não há preconceituosos no grupo, então meus pensamentos encaminharam-se diretamente para os vinhos brasileiros. Comecei a fazer uma pesquisa de preço partindo de alguns princípios de harmonização e de observações que tenho do que esse grupo gosta/costuma beber.
Fico feliz em dizer que somos 'facinhos', muitas paixões nos agradam e nos entretêm de boa maneira. Então, passo a pensar no dinheiro disponível (que é um assunto ainda mais espinhoso do que taninoso) e na melhor forma de gastá-lo.
Para começar consulto via internet alguns vinhos tintos brasileiros que me agradam e que não são vinhos que pedem comidas mais sóbrias do que pizza.
Penso que colocar um valor máximo entre 35 e 40 reais por garrafa parece ser de bom tamanho. Por uma razão bastante simples: é o preço médio de muitas das pizzas de entrega de minha região. Um cálculo rápido me diz que cada garrafa é suficiente para 2 a 3 pessoas e a mesma coisa para as pizzas.
E vou aos vinhos, é aí é que a coisa começa a complicar.
1) não encontro para vender, senão nos sites das empresas, alguns dos vinhos que me agradam e estão nessa faixa de preço;
2) alguns vinhos estão mais baratos em lojas multimarcas, abertas para a rua e com pronta-entrega, do que no próprio site da vinícola, onde ainda tenho que pagar frete e esperar chegar;
3) outros vinhos estão surpreendentemente caros;
E aqui abro um parêntese:
Os vinhos brasileiros sofrem com uma tremenda carga tributária. Ela incide sobre todos os produtos industrializados e sua porcentagem (em alguns produtos) aparece nas notas dos supermercados, mas nós não estamos acostumados a olhar. Os americanos sabem o quanto pagam de imposto pois no final de cada nota está o valor da conta com e sem o imposto. Fica mais fácil ver, indignar-se e, quando possível, questionar o governo. Por aqui não dá...
Em vários casos os vinhos argentinos e chilenos chegam ao Brasil com uma carga tributária muito (mas muito mesmo) inferior à nossa e isso derruba os preços deles, além do fato de que para muitos atacadistas - donos de supermercados - isso representa uma economia ainda maior quando combinado com o volume que eles compram.
Imagino que já está ficando claro como a balança fica desequilibrada para os brasileiros na maioria dos casos.
Mas...também existe uma coisa intangível que é um pensamento de alguns produtores e de alguns consumidores que determina que se o vinho for barato ele imediatamente será associado a um vinho ruim.
Então, o vinho brasileiro com esse problema de auto-estima e de carga tributária fica na retaguarda da compra. E da prateleira.
Veja só, uma vez conversando com Fábio Miolo eu perguntei quanto do valor final de uma garrafa era, para o produtor a carga de impostos, e ele me falou que chegava a quase a metade do valor final dela.
Várias vezes depois disso eu fiz a mesma pergunta para outros produtores brasileiros e a resposta foi praticamente a mesma. Ou seja, em 750ml de vinho, 375 ml são para o governo.
Onde essa conta não encaixa é no seguinte, vou dar um exemplo para ilustrar: na loja da Salton, lá em Tuiuty, uma garrafa do vinho premium deles, custa quase 50 reais (o vinho vale cada centavo, diga-se) e hoje eu vi esse mesmo vinho no supermercado Extra por R$ 69,00. É claro que o supermercado paga menos de 50 reais cada garrafa, deve pagar algo em torno de 42 reais. Mais os "bônus" que as empresas tem que dar para conseguir que seu produto esteja naquele supermercado. Assim, suponhamos que seja esse o valor (R$ 42,00) só para efeito de cálculo. Sabe quanto eles colocaram a mais para pôr o vinho na prateleira? 65%.
Que tal? Daí que hoje eu estava lá no Extra e fiz o que sempre faço, deixei-me ficar na seção de vinhos observando preços, promoções, pessoas e perguntas (os 4 'P's do varejo). Como é 4a feira e eles fazem algumas promoções de hortifrutis, é sempre um dia movimentado.
E as pessoas estavam comprando vinhos. E não era pouco não. Sabe por que? A linha básica Santa Carolina estava por um 16 ou 17 reais cada garrafa. Se você levasse três garrafas o preço cairia para 15 reais.
Vamos combinar que não dá para concorrer com isso?
Óbvio que o vinho da Salton que usei para base de cálculo é tremendamente melhor do que esse Santa Carolina genérico (a Santa Carolina também tem vinhos bons, mas não eram esses). Mas a IMENSA maioria das pessoas não sabe disso.
Elas vêem o vinho brasileiro nas prateleiras, não diferenciam uma porcariada de uvas de mesa misturadas com 'só um químico sabe o quê' por 8 reais, sobem os olhos e vêem um vinho fino por 33 reais, sobem mais ainda e vêem um por 70 reais. É tudo brasileiro, um país de cachaça, futebol meia-boca e vinhos de garrafão. Por que ela vai pagar 70 reais? Por que ela vai se dar ao trabalho (e custo) de provar um de 33 reais que ela não conhece se ao lado existem os argentinos e os chilenos por 18,19,20 reais, com fama e em promoção?
A primeira frase deste blog afirma que falo de vinhos brasileiros com um pouco de parcialidade e que existem bons vinhos em muitos terroirs.
Então, não estou desmerecendo Argentina, Chile, Brasil, Portugal etc com seus bons vinhos. Nem estou querendo que vinhos de alta gama custem 30 reais. Só estou altamente indignada com a injustiça das prateleiras. Com a exploração que presta um enorme deserviço ao mundo do vinho. E não vou nem falar de restaurantes, isso fica para outro post.
Meus conhecidos do Ibravin ficam bravos quando digo que o vinho brasileiro custa caro. Custa sim, para o consumidor final médio (como eu, a dona de casa, que quer dar uma festinha gostosa sem comprometer o orçamento, provar uma novidade aqui e ali) que compra vinho no supermercado por que é onde tem (sério gente, pegar o carro em São Paulo e percorrer 15/20km para ir a uma revenda de um vinho brasileiro é coisa de doido). Para gente como eu o vinho brasileiro custa caro e é difícil de achar.
Não sou política e nem tenho nada a ver com isso, mas não é possível que alguma coisa não possa ser feita a esse respeito.
Mas vou dar uma aliviada no discurso senão amanhã vou receber uma enxurrada de emails dizendo que não é bem assim. Outros fatos: o Ibravin tem feito um trabalho duro e sério para que as pessoas provem os bons vinhos brasileiros. Esse trabalho vem dando resultado, mas é vagaroso e fica algumas vezes amarrado na falta de opções por conta da péssima distribuição. Parafraseando Milton Nascimento: O vinho tem que ir onde o consumidor está.
Outra, a Miolo comprou a Almadén precisamente para entrar nesse segmento dos vinhos bons e baratos e aos poucos começa a aparecer nas prateleiras. A Salton vem fazendo alterações em sua linha Classic para conseguir vinhos vivazes e agradáveis em uma faixa mais acessível. A Piagentini vem fazendo mudanças importantes em sua linha, para mudar a imagem de seus vinhos. A qualidade das novas linhas já melhorou e muito. Alguns rótulos da Aurora também evoluiram. Casa Valduga não vende em supermercado, então não posso comentar.
Mas e os outros? E os vinhos entre 35 e 40 reais que eu queria comprar? Pior, e os de 25 reais? Onde eles estão? Não sei. Para conseguí-los tenho que encomendar em um conhecido aqui, um produtor alí etc. Ou seja, fazer umas 5 comprinhas para conseguir uma dúzia de vinhos brasileiros que eu gosto. Complica não?
Os 'hermanos' estão todos lá. Poderosos, baratos e no mesmo lugar. E alguns na faixa de 25/30 reais são bem bons, perfeitos para acompanhar a pizza descompromissada.
Pensem à respeito, consumidores, produtores, distribuidores, políticos. Eu estou em SP, a cidade onde vocês todos sonham em vender seus vinhos. Quero comprá-los e não os encontro, ou então faço contas e acho que alguém, além do governo, está de sacanagem comigo.
Bons pensamentos, sem brinde, pois caso não tenham percebido, estou indignada!
P.S: Pai, não se preocupe, os vinhos de seu jantar já foram encomendados/comprados.
quarta-feira, 21 de julho de 2010
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Silvinha,
ResponderExcluirShow de bola. Gostei do tema.
Sabe que a gente sofre muito para justificar os preços por aqui. A resposta do cliente é sempre a mesma: Nós não bebemos imposto, então compro o mais em conta...
Marcelo Miguel
Garrafeira do Carmo - SP
Silvia!
ResponderExcluirAqui no RS sofremos ainda mais com os altos impostos do vinho brasileiro, por causa da proximidade com as fronteiras. Ir para Rivera ou Jaguarão (principalmente, é mais perto) comprar vinho é programa de fim de semana de muita gente de grana, que poderia gastar mais por aqui mesmo. É permitido trazer, dentro da cota legal, 24 garrafas por CPF! Um carro com 4 pessoas...
Com relação ao vinho nacional em supermercados, para entrar numa grande rede, tipo Carrefour, Zaffari (que é nosso mercado gaúcho super premium) são tantas as exigências, tanta exploração que a maioria dos pequenos não consegue entrar. Aí tem a alternativa das lojas de vinho, que são menos acessíveis (digo em localização e não em preço) e podem intimidar alguns consumidores.
É um assunto bem complicado!
Espero que dê tudo certo no aníver do teu pai e que vcs bebam bons vinhos (brasileiros!)
Bjks
P.S.: te mandei um e-mail!
Silvinha, gostei muito do que você escreveu acerca do vinho nacional, é pura verdade, quem gosta de provar novos vinhos nem sempre é favorecido pelos preços.
ResponderExcluirAcredito, tambem, que o produtor é, em parte, responsavel pelo preço e eles deveriam rever todos os gastos que envolvem a elaboraçao do vinho e tentar melhorar essa situação.
Parabens , percebemos que o amargor do tanino além de ser desagradável, pode causar INDIGNAÇÃO.
Seu pai Etore
Silvia, assunto abordado de forma coerente e precisa, um outro problema que enfrentamos é que o someliers só querem provar mais do mesmo, ou seja, só provam vinhos pontuados e de vinicolas conhecidas, o que reduz, e muito, o leque de produtos a que poderiamos ter acesso!
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